TEENAGE MUTANT HERO TURTLES (ZX Spectrum/MSX, 1990)

Neste ano de 2020, o primeiro filme das Tartarugas Ninja comemora impressionantes 30 anos! Parece inacreditável. Ainda lembro de, em algum ponto de 1991, ter alugado ele em VHS numa locadora para assistir em casa. Eu tinha entre nove e dez anos e adorei o filme.

Embora as Tartarugas Ninja tenham feito o seu debut nos EUA em 1984, em histórias em quadrinhos, foi no começo dos anos 1990 que os personagens atingiram o ápice de sua popularidade. Entre 1989 e 1992, foram dois filmes nos cinemas, muitos brinquedos e action figures, uma série animada (que estreou em 1987 mas que atingiu o pico do sucesso alguns anos depois) e quatro games de muito sucesso, que fizeram muito barulho na época e que se tornaram lendários.

O primeiro destes jogos foi lançado pela Konami em 1989 para arcades. Considerado até hoje com um dos games de estilo beat’em up mais amados de todos os tempos, ele foi adaptado com maestria para o Nintendo 8-bits (NES) dois anos depois, em 1991, com o título Teenage Mutant Ninja Turtles II: The Arcade Game. Conversões menos satisfatórias também foram lançadas para vários computadores domésticos da época, como Commodore 64, ZX Spectrum, PC e Amiga.

Hey, mas espera um pouco. O primeiro jogo das Tartarugas Ninja chegou às plataformas domésticas com o nome “Teenage Mutant Ninja Turtles II“? É isso mesmo. O negócio é o seguinte: enquanto que, nos arcades, o primeiro jogo das tartarugas foi o hoje cultuado beat’em up de 1989, nas plataformas domésticas a franquia debutou com um jogo totalmente diferente, embora igualmente desenvolvido pela Konami. Para confundir ainda mais as coisas, ele recebeu o mesmíssimo título do jogo do arcade: Teenage Mutant Ninja Turtles.

A plataforma de estreia deste primeiro TMNT para máquinas domésticas foi o NES, que à época era (de longe) o videogame mais popular que existia no mercado. Ao contrário do título do arcade, que era um jogo de dar porrada sem parar, o game do NES era mais elaborado conceitualmente, porém (bem) menos impressionante sob o aspecto visual e sonoro.

O jogo era um “mix” de aventura com ação, com o jogador navegando por mapas de missão com visão aérea e a partir dali indo a locais que levavam a níveis de ação com progressão lateral. Não era um jogo tão intuitivo e imediatamente agradável como o clássico dos arcades.

Como resultado disso, até hoje os saudosistas do NES e retrogamers contemporâneos se dividem bastante quando relembram do TMNT do NES. Alguns acham que o jogo tinha o mérito de ter uma mecânica diferente e menos repetitiva, enquanto outros acham que as Tartarugas Ninja só mostraram todo o seu verdadeiro potencial no NES em 1991, quando o jogo do arcade foi (maravilhosamente bem) adaptado para o console.

Em 1990, o jogo do NES foi adaptado para diversos computadores, incluindo Commodore 64, Amiga, Atari ST e ZX Spectrum. E é aqui que a coisa fica interessante.

Embora, tecnicamente, a versão para o ZX Spectrum seja mais simples em termos de gráficos e sons do que o original do NES, na prática o resultado final foi um jogo mais fácil (ou “menos difícil”), menos frustrante e mais divertido do que o original. No fim das contas, a versão do ZX Spectrum era um grande jogo para os padrões da plataforma. A popular revista britânica Your Sinclair, que era especializada no Spectrum, deu nota 90 para o game. Veja o que o pessoal da revista falou sobre a comparação com o jogo do NES (edição nº 61, de janeiro de 1991):

Então, qual é o veredito? Bem, para mim, Turtles tem sido uma surpresa muito agradável. Rumores circularam pela indústria por muito tempo, dando conta de que o jogo era realmente ruim – aparentemente, as versões do Nintendo americano e do Amiga são absolutamente terríveis ou coisa que o valha, e este jogo é baseado naquelas versões – mas não: a Probe modificou bastante a coisa, e o produto final do Spectrum possui apenas uma pequena semelhança com aqueles títulos. De fato, é realmente muito legal. Não espere o jogo mais aprofundado de todos os tempos – mas, para o que pretende ser, é mais ou menos perfeito. Eu achei uma diversão excelente.

A revista britânica Crash (que era a principal referência da época quando o assunto eram jogos do ZX Spectrum) resenhou TMHT em sua edição nº 84, de janeiro de 1991, e deu nota 80 para o jogo. Veja o que o pessoal da revista escreveu:

O jogo pode ser muito frustrante. Você leva muito dano e acaba sendo morto de novo nos mesmos lugares até arrancar os cabelos. Mesmo assim, depois de se acalmar, você definitivamente voltará para mais uma dose porque a jogabilidade é tãããão viciante. Teenage Mutant Hero Turtles é a melhor diversão que eu tive em muito tempo. No entanto, depois de apenas alguns dias eu completei o jogo, então algumas missões a mais não teriam sido uma má ideia. De qualquer forma, Turtles ainda assim é altamente recomendado“.

A esta altura, você deve estar estranhando o fato de eu estar falando tanto sobre a versão de TMHT do ZX Spectrum, já que o título deste review sugere que o objeto da nossa análise seria também o TMHT do microcomputador MSX. A explicação é muito simples: a versão de TMHT do MSX é essencialmente uma conversão direta do ZX Spectrum, idêntica de ponta a ponta e essencialmente indistinguível do jogo do clássico micro britânico.

Ok, ok, admito: eu posso ter exagerado. De fato, há uma “pequena” diferença da versão MSX em relação ao TMNT do Spectrum. Como ocorria com 99% das conversões de games de Spectrum para MSX, a versão deste último é mais lenta do que a do Spectrum. Bem mais lenta seria o termo correto. Enquanto o jogo do Spectrum é rápido e ágil, a ação no MSX parece se desenrolar na metade da velocidade. Não é nada terrível ao ponto de inviabilizar a diversão e não incomoda tanto depois que você joga um pouco e se acostuma com a animação mais lenta. Mas, se você vê vídeos das duas versões rodando ao mesmo tempo, dá pra levar um susto com a diferença de velocidade. O irônico disso tudo é que, tecnicamente, o MSX (mesmo em seu modelo 1.0, mais básico) era sensivelmente superior em termos de hardware em relação ao ZX Spectrum. No entanto, por falta de otimização, as conversões diretas geralmente falhavam em utilizar adequadamente todo o potencial do MSX e o resultado eram jogos idênticos em visual e sons, mas sem a mesma animação rápida (vide exemplos de Robocop, Indiana Jones and the Last Crusade, etc).

Em termos de experiências pessoais, embora eu tenha jogado vários games de ZX Spectrum entre o fim dos anos 1980 e começo dos 1990 (meu tio, na época, comprou um TK-95 da Microdigital, um dos clones brasileiros do micro britânico), infelizmente não cheguei a ter contato com o TMHT do Spectrum. Só fui conhecer o jogo, já na versão MSX, em algum ponto entre o final de 1992 e o começo de 1993. Nessa época, depois de cinco anos tendo um Atari, ganhei um micro Expert da Gradiente (compatível com o padrão MSX) e é claro que eu estava louco para botar as mãos em qualquer coisa que tivesse algo a ver com as Tartarugas Ninja!

Na época, eu gostei muito do jogo. Claro, não era tão fantástico e frenético como o maravilhoso TMNT II – The Arcade Game do NES (que, em termos de Tartarugas Ninja, era basicamente o meu “sonho de consumo” na época). Ainda assim, era um game interessante. Os gráficos eram bacanas, tinha o Destruidor, tinha a April, tinha o Splinter, tinha o Bebop (embora irreconhecível, ilustrado por um sprite horroroso e disforme), tinha as Turtles nadando numa represa para desativar bombas submersas, tinha o “furgão” das tartarugas e por aí vai. Vale lembrar que o jogo (apesar de lançado no mesmo ano do primeiro filme das tartarugas) é uma adaptação do jogo lançado para o NES no ano anterior – sendo, portanto, baseado no desenho animado das Turtles e não no filme.

Uma vantagem que posso atestar sobre esta versão MSX/Spectrum, em relação ao TMNT do NES, é que o jogo era muito menos difícil e muito menos frustrante/irritante. No início, o jogo parecia bem inclemente. Mas, com um pouco de treino, era possível dominar a jogabilidade e chegar ao fim do game de forma razoavelmente tranquila. Uma coisa que me ajudou muito, na época, foi o mapa completo do jogo, publicado na edição nº 23 da saudosa revista nacional CPU MSX.

Numa matéria de quatro páginas, a revista apresentava um detonado completo, passo a passo, do jogo. Eu tinha essa revista na época e esse “detonado” foi o meu roteiro para entender melhor o game e chegar até o final. Depois que “virei” o jogo pela primeira vez, posteriormente repeti a proeza várias vezes. Embora com menos conteúdo do que o TMNT do NES, o TMHT do MSX/Spectrum era realmente menos inclemente, irritante e frustrante – e, justamente por isso, mais viciante e divertido.

Uma curiosidade: você deve ter notado que, na versão MSX/Spectrum, o título Teenage Mutant NINJA Turtles mudou, sem maiores explicações, para Teenage Mutant HERO Turtles. O que foi isso? Alguém cometeu algum erro de digitação? A explicação é simples. Isso não aconteceu apenas com esse jogo, mas sim com todos os produtos da franquia lançados nos mercados europeus naquela época. A maior parte das legislações europeias, visando proteger as crianças de produtos de entretenimento carregados de violência excessiva, proibia o uso de expressões como “ninja” (ou qualquer coisa que tivesse relação com violência ou assassinato) em brinquedos em geral. As mesmas restrições não existiam no mercado americano. É por isso que, nos EUA, o nome da franquia ostentava o título NINJA enquanto que, na Europa, as tartarugas (pelo menos no título) passaram a exibir HEROES no nome. Como as conversões do game para microcomputadores eram essencialmente voltadas para o público europeu, acabou prevalecendo a nomenclatura europeia no título. No entanto, o mesmo não aconteceu com a versão para o micro Commodore 64 (cujo maior mercado era os EUA). No C64, o nome do jogo permaneceu igual ao do NES: Teenage Mutant NINJA Turtles.

Ainda a título de curiosidade, na Espanha (que era um dos maiores mercados do MSX na Europa) o game foi lançado como TORTUGAS NINJA. O lançamento espanhol (oficial, diga-se de passagem) chama a atenção menos pela opção exótica de traduzir o nome do jogo e mais pelo fato de que a “censura” em torno da expressão “ninja” foi sumariamente ignorada (ainda que o software em si continuasse se apresentando como Teenage Mutant HERO Turtles). O jogo nesta versão vinha acompanhado de um manual muito legal, que incluía também os códigos antipirataria necessários para entrar no jogo. O manual encontra-se preservado em versão digital no Internet Archive, e você pode acessá-lo na íntegra no seguinte endereço: https://archive.org/details/TortugasNinjaES/mode/2up

Parece difícil de acreditar, mas lá se vão 30 anos desde o lançamento do filme original das Tartarugas Ninja (que, para mim, continua sendo o filme definitivo dos personagens). Também já se vão quase 30 anos do meu primeiro contato com o game do MSX, que me proporcionou muitas horas de diversão e que tem um lugar especial nas minhas memórias até hoje. Surrar o Destruidor e comer muita pizza são coisas que jamais deixarão de ser divertidas. Cowabunga!

MOLEY CHRISTMAS (1987, ZX Spectrum)

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Monty Mole era um conhecido personagem de jogos de computador dos anos 80. Entre 1984 e 1990, ele protagonizou seis games, todos produzidos pela Gremlin Graphics.

Eu conheci o personagem entre 1992 e 1993, quando joguei pela primeira vez no meu micro MSX o jogo Auf Wiedersehen Monty, lançado em 1987. Até hoje, é o meu game favorito do Monty. Nele, a incansável toupeira viaja por toda a Europa coletando dinheiro para realizar o seu sonho de comprar uma ilha na Grécia e se aposentar nela.

Mas o assunto de hoje não é o Auf Wiedersehen Monty, e sim o jogo do Monty que saiu em dezembro do mesmo ano e que certamente é um dos games natalinos mais simpáticos de todos os tempos.

Nos anos 1980, era comum em diversos países que as revistas de jogos de computador eventualmente viessem acompanhadas de uma fita cassete (uma das mídias mais populares na época) contendo jogos  e outros brindes que invariavelmente eram recebidos com festa pelo público destas revistas. Lembrem-se: era uma época muito anterior à popularização da internet e ter acesso a software (ainda mais de graça!) era algo que excitava qualquer usuário de computadores domésticos.

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Pois bem, na edição de janeiro de 1988 (que, imagino eu, chegou às bancas a tempo para o Natal de 1987), uma das mais populares revistas britânicas de games de computador, a Your Sinclair, surpreendeu os seus leitores com um presente muito acima da média: uma fita cassete contendo Moley Christmas, um pequeno e completo game natalino inédito da toupeira Monty.

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Produzido com o mesmo visual, jogabilidade e trilha sonora do então recente Auf Wiedersehen Monty, Moley Christmas trazia uma aventura de Natal do pequeno Monty. Na trama, ele precisa ajudar o pessoal da Gremlin Graphics e da Your Sinclair a produzir, gravar, embalar e distribuir a edição da revista acompanhada do seu joguinho.

É isso aí: a toupeira Monty num jogo no qual ele precisa assegurar o lançamento do próprio jogo no qual ele está. Pura meta-narrativa natalina!

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O jogo é bastante simples, mas é muito divertido e tem um feeling especial. Ao contrário de Auf Wiedersehen Monty (um game enorme e extenso para a época, com inúmeras telas e locações diferentes), este Moley Christmas tem apenas seis telas. Com um pouco de treino e destreza, é possível chegar ao final dele em questão de minutos.

O jogo começa nos escritórios da desenvolvedora Gremlin Graphics. Lá, Monty precisa coletar o código-fonte impresso do jogo. Nada muito difícil. O maior desafio é o relógio, pois o tempo é cronometrado e limitado.

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A segunda tela é o local de produção do jogo. Monty deposita o código-fonte do jogo e precisa coletar a master tape. A rapidez, aqui, é novamente importante.

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Na terceira dela, Monty está no local de prensagem das fitas cassete. Aqui, ele precisa coletar oito fitas para distribuição.

Essa tela me matou inúmeras vezes até eu entender o que precisava ser feito. É o seguinte: você precisa passar na frente da janelinha branca para ativar a produção e então deve sair imediatamente daquele ponto da tela (tão logo o rolo de fita apareça).

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Tem mais: você não pode conduzir Monty à saída da tela antes de a pilha de fitas acumular oito fitas – e nem depois! Ou seja, você tem que deixar Monty pertinho da saída e levar ele em direção às fitas logo após a passagem na esteira da última fita. Leva algum tempo para pegar o timing correto, mas não é difícil depois que a gente compreende as regras do cenário.

A quarta tela é uma rodovia, à qual Monty precisa sobreviver para levar as fitas até o escritório da revista Your Sinclair. Tudo muito fácil até a parte final (inferior) da tela, na qual há um bizarro automóvel com dentes ameaçadores. Para passar por ele, é necessário caminhar levemente pela frente da criatura até que ela esboce uma intenção de ataque. Depois que o bicho se manifestar, basta saltar sobre ele.

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A quinta tela se passa no escritório da revista. Aqui, Monty precisa pegar as cópias da nova edição da Your Sinclair para distribuição.

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A sexta e última tela mostra Monty levando as cópias da revista para uma banca de jornaleiro, a fim de disponibilizar as publicações para venda. Aqui, a jogabilidade se converte em algo semelhante ao clássico Frogger, com a heroica toupeira desviando de diversos veículos.

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Como dá pra ver, o jogo é bem curtinho. Porém, é irresistível para os fãs dos clássicos games do bom e velho micrinho britânico ZX Spectrum e representava um adorável presente de Natal para os leitores da revista. Ao mesmo tempo em que é relativamente fácil e muito curto, a jogabilidade é viciante e o charme retrô do game é irresistível. Eu simplesmente não consegui parar de jogar até dominar todas as telas e chegar ao final. Para quem é fã do Spectrum, esse jogo não poderia ser mais recomendável – ainda mais no período natalino!

O melhor de tudo é que você nem precisa se preocupar em baixar uma cópia do jogo, nem em configurar um bom emulador de Spectrum para experimentá-lo nos computadores modernos. No link abaixo, você pode jogar Moley Christmas direto no seu browser, por meio de um emulador online já configurado. Claro que, ainda assim, você terá que se virar com os controles originais do jogo (teclas Z e X para esquerda e direito, barra de espaços para pular e O e L para cima e baixo). É um esquema de teclas chatinho e ultrapassado para os padrões atuais, mas nada que não se consiga dominar tranquilamente depois de algumas tentativas.

Monty Mole e o Cemetery Games desejam a todos um FELIZ NATAL! 😀

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THE HOBBIT (1982, ZX Spectrum)

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E neste mês de dezembro de 2012 finalmente chegou aos cinemas o aguardado The Hobbit – An Unexpected Journey, de Peter Jackson. Trata-se da primeira parte de uma nova trilogia do aclamado diretor da saga O Senhor dos Anéis, dessa vez adaptando para as telonas o livro The Hobbit, lançado em 1937 por Tolkien e hoje considerado um prelúdio para O Senhor dos Anéis.

É razoável supor que toda essa “hobbitmania” atual se estenderá pelos próximos dois anos e que dará origem a uma tonelada de games baseados no filme, dando o ar da graça em tudo o que é aparelho imaginável – consoles domésticos, videogames portáteis, celulares com Android, iOs, etc. Não vai ser a primeira vez que isso acontece: em 2003 ,a Vivendi Universal lançou o esquecível The Hobbit, um game baseado no livro, para Playstation 2, Game Cube, Xbox, Windows e Game Boy Advance.

No entanto, o livro de Tolkien já marcou época na história dos games – e já faz muito tempo que isso aconteceu, na verdade. Foi há trinta anos atrás, no já distante ano de 1982. Pelas mãos da desenvolvedora Beam Software e da publisher Melbourne House, o clássico livro de Tolkien deu origem a um game que marcou época, vendeu como água no deserto, exerceu enorme influência no desenvolvimento de jogos a partir dali e, até hoje, é cultuado por retrogamers do mundo inteiro. O nome do jogo, é claro, era The Hobbit, lançado originalmente para o microcomputador britânico ZX Spectrum e depois adaptado para os micros Commodore 64, Amstrad CPC, BBC Micro, Dragon 32, Oric Atmos, Apple II, TRS-80 PC e MSX.

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The Hobbit era um adventure-texto, um gênero de game muito popular no começo dos anos 80. Se você não é familiarizado com a história desse estilo de jogo, clique aqui para ler a nossa matéria especial sobre adventures texto.

Os text adventures, naquela época, eram ótimos para soltar a imaginação e permitiam uma grande amplitude criativa. Representavam uma forma de o jogador usar mais o cérebro do que os dedos e se dedicar a games que demandavam mais raciocínio e estratégia do que reflexos rápidos, fugindo da tradicional ação arcade do tipo “atire sem parar nos alienígenas” e que inundava o mercado de games da época.

Mas, por mais que se aprecie adventures, é preciso reconhecer que os jogos daqueles tempos pecavam por dois defeitos graves: primeiro, o parser (sistema de análise sintática e reconhecimento de palavras) desses antigos jogos era muito limitado, aceitando apenas comandos rápidos e restritos, sem permitir muita abertura para o jogador expressar as ações que queria realizar. Segundo: o uso exclusivo de texto na tela, sem suporte gráfico algum, acabava se convertendo num fator de monotonia e limitação técnica, fazendo os text adventures parecerem extremamente monótonos e desinteressantes.

Mas então, The Hobbit chegou em 1982 ao ZX Spectrum, para virar tudo isso do avesso!

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Segundo a programadora Veronika Megler, que desenvolveu o game junto com Philip Mitchell, “Nós jogávamos Scramble e Pac-Man e escrevemos versões destes jogos para outras plataformas. Por isso, tendo criado games baseados em gráficos e jogado as versões originais deles nos arcades, para nós parecia simplesmente errado o fato de que os adventures não tinham gráficos. Nós não víamos eles como uma categoria diferente, então a decisão de incluir gráficos em The Hobbit pareceu natural e razoável“. Já existiam outros adventures com gráficos lançados anteriormente (como Mistery House, de 1980), mas provavelmente nenhum até então tinha um trabalho visual tão interessante e tecnicamente impressionante quanto The Hobbit.

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Como você pode perceber, The Hobbit também chama a atenção por ter sido parcialmente criado por uma mulher, e isso lá nos idos de 1982, quando o nicho de programação era praticamente um mundo exclusivamente habitado por homens. Na época, ela estudava na Universidade de Melbourne e trabalhava como operadora de computadores em períodos noturnos. Uma troca de mensagens com Alfred Milgrom, da Melbourne House, fez ela entrar no projeto de desenvolvimento de The Hobbit e garantir o seu lugar na história dos games de computador.

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Veronika era uma fã de Colossal Cave, o mítico adventure-texto original que criou esse estilo de jogo. Mas tinha perfeita consciência das limitações do pioneiro game: “Colossal Cave rapidamente se tornava chato. Uma vez que você solucionava o jogo, ele era sempre o mesmo e não havia mais nada de interessante desse ponto em diante“. Ela adotou um conceito diferente ao conceber The Hobbit, motivada a criar o que seria o melhor adventure já feito até então. “Eu coloquei no papel todo o conceito de ter uma rede ou um banco de dados alternável de locações e personagens que jogavam por conta própria, e como isso tudo iria funcionar. Eu desenvolvi o projeto de forma que, ao invés de criar um código prévio para tudo, nós poderíamos substituir o banco de dados dos personagens e dos cenários e terminar com um game diferente nas mãos”, explica. “Era uma questão de adicionar o elemento randômico. Eu tinha a ideia básica de que cada animal seria um personagem e que cada personagem faria algo a cada turno, assim como o jogador tinha. Nós adicionamos um gerador randômico para que, toda vez que o game começasse, cada personagem iniciaria num lugar diferente escolhido aleatoriamente“.

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Além dos gráficos e do sistema não linear, The Hobbit inovava também pelo parsec inovador, denominado Inglish por seus programadores. Ao contrário de games anteriores do estilo, que só admitiam frases sempre iguais e curtas como “kill orc“, “get lamp” e coisas do tipo, em The Hobbit o jogador podia digitar comandos sofisticados como “ask Gandalf about the curious map then take sword and kill troll with it“. Ou seja, uma linha de comando do jogador podia conter várias ações e também pronomes e adjetivos.

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Em termos de narrativa, The Hobbit se mantém bastante fiel ao livro que lhe serviu de inspiração. “Não lembro de isso ter sido particularmente difícil“, explica Veronika. “Eu era muito familiarizada com o livro e adorava ele, e realmente passei por todo o livro pegando elementos de forma tão direta quanto possível, fazendo pequenas modificações que tornassem mais fácil para o jogador imaginar as passagens do texto dentro do contexto do game. Todos nós conhecíamos The Hobbit e The Lord of the Rings – eu havia lido a série inteira várias vezes já naquela época. Para elaborar o jogo, eu examinei o livro, escolhendo partes e locações chave que eu pudesse transformar em puzzles e interações entre os personagens e o jogador“.

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The Hobbit se destacou como um adventure mais graficamente bonito, menos linear, mais flexível no vocabulário e com maior fator de “re-play” do que os jogos do gênero anteriores a ele. Mas isso não significa que ele era livre de problemas. “Fazer a correção de erros no jogo era um pesadelo”, lembra Veronika. “Nossas máquinas de desenvolvimento travavam como resultado de interações e comportamentos de personagens em alguma outra parte do jogo. Você não fazia ideia – simplesmente tinha um erro nas mãos e tinha que imaginar o que tinha acontecido“. A maneira como os personagens se comportavam dava origem, também, a cenários problemáticos: “Você podia terminar numa situação em que o jogo não podia ser completado de forma bem-sucedida. Na medida em que animais e personagens interagiam por conta própria, eles estavam também jogando, e no geral eles não distinguiam o jogador de outros personagens. Era possível que um personagem fosse parar num local com um agressor e que acabasse sendo morto, e se esse personagem fosse necessário para o jogador realizar certas tarefas, você não teria mais como chegar ao final do jogo. Você pode levar várias horas de jogo para descobrir isso“, ri Veronika. “Mas era assim que a coisa funcionava. Eu não fiz nenhuma tentativa de mudar isso, pois eu achava que era algo legal“. Sádica a moça, não?

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Toda a qualidade e a inovação de The Hobbit não passaram desapercebidas. O jogo vendeu mais de 100.000 cópias nos seus dois primeiros anos no mercado, ganhou vários prêmios e se tornou presença garantida e permanente em qualquer lista decente de melhores games lançados para o ZX Spectrum em todos os tempos. É frequentemente lembrado como um dos melhores adventures dos anos 80, e é difícil imaginar a evolução do estilo (que anos depois passou pelo sistema Scumm da Lucas Arts, surgido com o famoso Maniac Mansion) sem o marco estabelecido por The Hobbit.

Veronika não recebeu praticamente nenhum feedback sobre o seu trabalho na época em que The Hobbit foi lançado. Hoje, no entanto, ela afirma receber uma contínua corrente de e-mails sobre o jogo, alguns até bizarros: “Um cara recentemente fez contato comigo, e foi muito engraçado. Ele disse que, há 30 anos atrás, ele estava jogando uma cópia do jogo que pertencia a um amigo. Então, no meio do jogo, ele abriu o drive e retirou o disquete enquanto o jogo rodava. O disco acabou corrompido e, quando o amigo dele tentava jogar, a tela exibia uma mensagem de erro e o jogo nunca mais funcionou. Foi apenas recentemente que o sujeito admitiu que havia estragado a cópia do jogo do amigo, e ele estava me contatando para saber se aquela mensagem de erro tinha algum significado em particular ou se nós colocamos ela lá por algum motivo específico. Eu tive que rir. Trinta anos depois, alguém estava me escrevendo para solicitar suporte técnico!”.

De fato, Veronika só chegou a compreender a importância do seu trabalho muitos anos depois, já na era da internet. “Eu comecei a receber cartas de pessoas que tinham me localizado online, me dizendo que o game havia mudado suas vidas e os tornado fãs de adventures, ou que eles tinham aprendido inglês para jogá-lo, ou como o jogo mudou seus interesses, suas personalidades e até seus planos para o futuro! Foi só então que eu descobri que The Hobbit havia sido lançado num monte de línguas diferentes e em diversos países. Na época do lançamento do jogo, eu não tive nenhum sentimento de valor ou de reconhecimento pelo que nós criamos – mas, décadas depois, eu comecei a perceber o impacto que isso teve. Eu acho que o impacto que o meu jogo teve sobre as vidas de outras pessoas foi muito maior do que o impacto que teve sobre a minha própria vida“, diz ela.

(Fonte consultada: revista Retro Gamer, edição nº 101).

SPY HUNTER (1983, Arcades e ZX Spectrum)

Já analisamos anteriormente aqui no Cemetery Games o clássico game CHASE H.Q, de 1989, que colocava o jogador em frenéticas perseguições policiais contra criminosos perigosos e implacáveis, simulando uma espécie de visão em 3D, com profundidade, no melhor estilo Out Run.

No entanto, bem antes disso – mais precisamente no ano de 1983, a Bally Midway lançou nos arcades um precursor do estilo, no velho estilo bidimensional com visão “de cima”. Tratava-se de um jogo bastante inovador, sem paralelos na sua ação frenética, que claramente homenageava os filmes de James Bond. Tratava-se de Spy Hunter, um dos jogos favoritos da minha infância e que o tempo tratou de transformar num clássico.

Em Spy Hunter, o jogador encarna um agente secreto numa perseguição a criminosos ao longo de uma estrada. Para fazer frente aos veículos inimigos, o carro do nosso herói é equipado com metralhadoras. Mas todo cuidado é pouco: a estrada está cheia de motoristas inocentes, que devem ser poupados enquanto o jogador acaba com a raça dos bandidos sem permitir que eles terminem com a viagem do protagonista.

Spy Hunter fez muito sucesso nos arcades, mas eu nunca joguei a versão original na infância ou adolescência e só vim a conhecê-la há alguns anos, em plena era da emulação. Ora, mas alguém então poderia se perguntar por que eu disse que o jogo era um dos meus favoritos quando criança. A resposta é simples: por causa da versão do game para o microcomputador ZX Spectrum.

O Spy Hunter do Spectrum foi o único que eu conheci por muito tempo e, na minha cabeça, Spy Hunter simplesmente era um game do Spectrum. Para minha sorte, tratava-se de uma bela conversão do game do arcade. As versões para Commodore 64 e NES por vezes são apontadas como as melhores, mas o fato é que o Spy Hunter do Spectrum era uma conversão extremamente competente em termos de jogabilidade e diversão, apesar de já não impressionar tanto quanto na época do lançamento nos arcades, já que a versão do Spectrum só foi lançada dois anos depois, em 1985.

O Spy Hunter do Spectrum se destaca pelo scroll fluído e de qualidade, bem como pelos bons gráficos. Claro, nem tudo são flores. Na versão que eu jogava (para o modelo do Spectrum que tinha 48k de RAM, basicamente o modelo standard do micro britânico nos anos 80), a música era completamente ausente, com os efeitos sonoros se resumindo a barulhos de tiros. Além disso, a velocidade do jogo, embora boa, era sensivelmente menos frenética do que no original do arcade.

De longe, o que eu mais gostava em Spy Hunter – e o que continua, para mim, sendo o ponto alto do jogo – era a possibilidade de sair da estrada e continuar em frente numa lancha, combatendo inimigos nas águas ao lado da rodovia. Em diversos momentos, a estrada apresentava bifurcações que levavam o automóvel do jogador até um pequeno porto, a partir da onde o veículo automaticamente se transformava numa lancha, voltando novamente a ser um automóvel quando uma saída do rio para a estrada fosse localizada.

Esse elemento dava uma dinâmica completamente inovadora para o jogo, que subitamente passava de uma corrida de automóveis com tiroteio para uma batalha aquática de lanchas. Em alguns pontos do jogo, essa transição era obrigatória – o jogador era subitamente avisado que a ponte próxima havia sido destruída e, portanto, pegar o acesso lateral e continuar pelo rio era simplesmente a única alternativa existente. Ah, e como são estreitas aquelas sinuosas vias de acesso para o rio! Incontáveis vezes, tanto lá no final dos anos 80 quanto hoje em dia, eu acabei por destruir meu carro nos canteiros laterais antes de conseguir acessar o rio.

Ainda hoje, os momentos em que o herói sai do carro para a lancha e segue rio acima representam, para mim, o ápice da diversão em Spy Hunter. Não posso imaginar uma maneira mais fidedigna de representar, num jogo da geração dos videogames de 8-bits, a ação cinematográfica típica dos filmes de 007.

Surpreendentemente, a ação aquática de Spy Hunter não era um elemento previsto quando do desenvolvimento do game, tendo sido adicionada posteriormente, quando o jogo já estava basicamente pronto. Segundo Brian Colins, uma das quatro pessoas envolvidas na equipe de desenvolvimento de Spy Hunter, “quando o jogo já estava completamente funcional, nós percebemos que seria bastante simples recriar a arte já feita e permitir que o nosso herói lutasse na água assim como em terra. O então recém-contratado animador Steve Ulstad foi responsável pelo desenvolvimento da maioria dos veículos aquáticos“.

Spy Hunter surpreende pela riqueza de elementos (lembre-se, estamos falando de um game de 1983!). Além da arma básica, caminhões aliados eventualmente equipam seu automóvel com mísseis e com óleo, que pode ser derramado na pista para ferrar com os inimigos. E não pense que você enfrentará apenas automóveis, não senhor! Caso você pegue a lancha, encontrará adiante invariavelmente um rio tomado de embarcações hostis. E, para piorar, eventualmente é preciso enfrentar um helicóptero – e haja míssil nessas horas!

Basicamente, o jogo era composto de três veículos “do herói” (o automóvel principal, a lancha e o caminhão que fornecia armas), três veículos de civis inocentes (a motocicleta, uma espécie de Fusca e um outro carro de aspecto comum) e seis veículos “do mal”: o Switch Blade (com garras laterais para furar os pneus do automóvel do herói), o Enforcer (parece uma limousine de mafiosos), o Road Lord (parece um carro-forte), o helicóptero (apelidado de Mad Bomber) e duas variedades diferentes de lanchas inimigas. Para ser sincero, não sei dizer com absoluta certeza se todos estes veículos se encontram presentes na versão do Spectrum, mas acredito que sim.

Como já vimos, além dos facínoras homicidas que querem te transformar em presunto, as estradas estão também repletas de motoristas inocentes. Não pense que você sairá impune caso sacrifique acidentalmente algum deles. O jogador não perde pontos, mas fica sem receber pontos durante um certo período de tempo.  Nas palavras de Brian, “era importante não recompensar o homicídio indiscriminado, por mais que isso pudesse ser divertido“.

Apesar de suas inevitáveis limitações técnicas na comparação com o original dos arcades, para mim não tem discussão: Spy Hunter é para ser jogado no Spectrum e fim de papo! Com nota 89% dada pela então célebre revista britânica Crash (especializada em games de Spectrum) e merecedor da distinção A Crash Smash (que era o “selo de qualidade” da revista), o Spy Hunter do micro britânico sempre foi e sempre será, para mim, a versão definitiva deste clássico oitentista de ação em alta velocidade.