BATTLETOADS (NES, 1991)

Para começar o nosso Projeto 1991 aqui no Cemetery Games, escolhemos um clássico beat’em up protagonizado por animais mutantes antropomorfizados, verdes, descolados e radicais, mestres em detonar malfeitores na base da porrada!

TARTARUGAS NINJA?!?!

Não: Battletoads!

Ok, vamos ser sinceros aqui. Ninguém discute que a premissa de colocar sapos humanóides parrudões num game estilo briga-de-rua representou uma óbvia tentativa da desenvolvedora Rare de capitalizar em cima do enorme sucesso do fenômeno cultural das Tartarugas Ninja na época. No final dos anos 1980 e começo dos 1990, o quarteto comedor de pizza dominava o imaginário popular infanto-juvenil e brilhava em filmes, videogames, quadrinhos e desenhos animados. Se tartarugas podem ser “cool” e boas de briga, por que sapos também não poderiam?

E, já que é para pensar fora da caixa, por que não colocar esse sapos no espaço para lutar contra uma malévola vilã tirânica que aspira ser uma déspota galáctica? Acrescente aí uma nave sequestrada, uma princesa em perigo e está feito o roteiro de uma perfeita aventura videogâmica infanto-juvenil do começo dos anos 90!

Muito já foi dito e escrito sobre Battletoads ao longo dos últimos 30 anos, mas eu quero aqui compartilhar com o leitor um pouco sobre a minha experiência pessoal com o jogo. Conheci Battletoads em algum ponto de 1992 ou 1993. Eu tinha uns 11 ou 12 anos e um dos meus melhores amigos daqueles tempos havia recentemente ganho um Dynavision III. Aqui entre nós, eu sempre considerei o Dynavision III como um dos melhores clones de Nintendo 8-bits (NES) fabricados em solo nacional, seja pelo visual elegante, seja pela compatibilidade nativa com cartuchos em formato americano e japonês. Admito que os joysticks em formato “torre” eram anacrônicos e fora dos padrões estabelecidos pela Nintendo na época, mas até isso acabava sendo um diferencial e um “charme” para o clone nacional da saudosa Dynacom.

Então, em um certo fim de semana que reservamos para jogatina, meu amigo alugou um game chamado “Battletoads”. Nós não sabíamos o que esperar. Vale lembrar que naquela época o máximo de informação que podíamos ter era por conta de alguma matéria esparsa numa revista de videogames. A popularização da internet ainda estava distante no futuro, e as locadoras de videogames ainda representavam a melhor forma de conhecer novos títulos.

Bem, nós começamos a jogar Battletoads e gostamos do jogo logo de cara. Nada mais natural: o que havia para não gostar? A música era irada e nervosa, os gráficos eram legais e os protagonistas eram uns sapões marombeiros prontos para descer a porrada nos inimigos. O jogo misturava a fórmula de “briga de rua” com uma boa dose de humor. Quando você acertava uma sequência de golpes nos inimigos, o seu personagem finalizava o adversário com uma super porrada que era ilustrada na tela por meio de uma mão ou pé gigante, arremessando o inimigo para fora da tela de forma hilária. O que mais um pré-adolescente poderia querer em 1991?

Embora o jogo já começasse legal desde os primeiros instantes, outra boa surpresa que ele reservava era a variedade na jogabilidade. Logo no final da primeira fase, o jogador já enfrentava um robô gigante numa luta vista em primeira pessoa, pela visão do inimigo – mais ou menos como o primeiro ataque do Destruidor no clássico Turtles in Time do Super Nintendo.

Em seguida, na segunda fase, a progressão lateral estilo beat’em up dava lugar à missão de descer continuamente por um enorme poço, com scrolling vertical. A fase introduzia a possibilidade de usar bicos de aves inimigas como pequenas “espadas”, e também um novo golpe por meio do qual os heróis podiam se dobrar (ficando parecidos com sinos de igreja) e varrer a tela violentamente por meio de uma forte porrada carregada.

Não era um passeio no parque, é claro. A coisa até ali tinha alguma dose saudável de desafio. Mas muito da fama (e da infâmia) em torno do nome Battletoads decorre da fase que vem em seguida: a terceira fase, a infame “fase da motinho”. Aqui, o jogo inicialmente retorna à progressão lateral beat’em up da primeira fase, mas apenas até o ponto em que o jogador encontra uma pequena motocicleta voadora. Subitamente, o jogo se transforma em um acelerado desafio de saltos e desvio de obstáculos … e é aqui que muita gente parou e jamais chegou a ver qualquer fase posterior do game. Vale dizer: entre estes, estávamos inclusos eu e o meu amigo, que passamos o fim de semana inteiro morrendo reiteradamente, de novo e de novo e de novo, na maldita “fase da motinho”, sem termos conseguido ultrapassá-la em nenhum momento. Não é por nada que a referida fase é universalmente lembrada como uma das mais difíceis – e frustrantes! – da história dos videogames.

Este é um bom momento para deixarmos uma coisa muito bem esclarecida: Battletoads não é e nunca foi um jogo “perfeito”. Primeiro: a jogabilidade era bem mais limitada do aquilo que se vê em outros clássicos beat’em ups do NES, como Teenage Mutant Ninja Turtles II – The Arcade Game. Golpes aéreos eram essencialmente inexistentes. Neste sentido, na comparação com os ótimos beat’em ups que a Konami apresentou no NES naquela época (TMNT II, TMNT III e Batman Returns), Battletoads parecia quase um retrocesso e lembrava mais aquela jogabilidade “durona” do antigo clássico Double Dragon.

Segundo: Battletoads tinha um modo 2-players para que dois jogadores pudessem encarar a aventura juntos de forma cooperativa. Mas, normalmente, o que se espera de um modo para dois jogadores é que essa opção torne a missão mais fácil ou, no mínimo, igualmente desafiadora em relação à opção de jogar sozinho. Curiosamente, no entanto, em Battletoads o jogo se tornava dramaticamente mais difícil se jogado no modo 2 players. Isso porque os jogadores, no meio das trocas de socos e chutes, podiam acabar acertando o aliado sem querer – e era praticamente impossível evitar que isso acontecesse em alguns momentos da ação frenética exibida na tela. Para piorar, quando um jogador perdia todas as suas vidas, ele não podia utilizar um “continue” e simplesmente reaparecer na fase para ajudar o colega. Não: o jogador sobrevivente se via sozinho na tela, desamparado e desassistido, e o jogador que havia morrido precisava esperar o parceiro igualmente perder todas as vidas para que só então ambos pudessem continuar o jogo juntos – todavia, sendo obrigados a voltar ao início da fase na qual morreram!

Tudo isso, aliado a vários momentos de intensa dificuldade, tornava Battletoads não apenas um jogo “difícil” ou “desafiante”, mas seguramente um dos games mais frustrantes da biblioteca de títulos do NES – que, aliás, já era um console conhecido por contar com vários dos games mais difíceis que a humanidade havia visto até então.

Algum tempo depois da minha experiência com o Battletoads do NES, ali por 1994, vim a conhecer a adaptação do jogo para o Game Boy, clássico console portátil da Nintendo. Lançado com o nome de Battletoads in Ragnarok’s World, devo dizer que semprei achei que se trata de uma excelente conversão do game do NES e bastante fiel ao original.

A experiência foi muito bem convertida para a telinha monocromática do portátil e tenho lembranças do jogo ser bem divertido – embora não necessariamente mais fácil. Entre 1992 e 1993, Battletoads também ganhou conversões para vários outros consoles, como Mega Drive, Game Gear e Amiga. No entanto, devo dizer que nunca dediquei muita atenção a nenhuma destas outras versões.

Embora hoje seja possível jogar Battletoads por meio de qualquer bom emulador de NES, é digno de nota o fato de que, em 2015, o game (em sua versão original do NES) foi oficialmente relançado para o Xbox One como parte integrante da coletânea Rare Replay. Tenho e recomendo. É uma ótima forma de revisitar este clássico do masoquismo videogâmico apelador do começo dos anos 1990!

Embora seja hoje lembrado e comentado sobretudo por conta de sua dificuldade lendária e por sua capacidade de levar os jogadores a níveis alarmantes de frustração e irritabilidade, é claro que nada disso impediu os jogadores da minha época de se tornarem fãs de Battletoads. É preciso entender que, naqueles tempos, uma dificuldade de ranger os dentes era relativamente comum nos videogames e nós sabíamos conviver perfeitamente bem com o fato de que existiam alguns jogos que nós simplesmente jamais seríamos capazes de “virar” – a menos que se adotasse algum tipo de cheat ou recurso do tipo “Game Genie” (aliás, não é por nada que este acessório fez tanto sucesso naquela época).

A gente apanhava, mas gostava mesmo assim. E, com o tempo, iríamos descobrir que a surra que levávamos de games como Battletoads não era apenas uma coisa particular nossa, mas sim uma experiência coletiva que marcou toda uma geração de jogadores. Não ficaram traumas: apenas nostalgia e boas memórias de momentos de diversão e nonsense adolescente, carregados de muito desafio.

1991 – OS 30 ANOS DE UM MARCO NA HISTÓRIA DOS VIDEOGAMES

Chegou a hora de celebrarmos os 30 anos de 1991 – um ano inesquecível para a indústria dos videogames! Ao longo de todo o restante de 2021, falaremos aqui no Cemetery Games sobre muita coisa legal que abalou o mundo dos videogames naquele ano.

E não foi pouca coisa: teve lançamento do Super Nintendo e do Game Gear nos mercados ocidentais, teve estreia dos Simpsons nos videogames, o lançamento do clássico absoluto Super Mario World no ocidente, o nascimento do icônico Sonic the Hedgehog, o surgimento do fenômeno Street Fighter II e uma porrada de lançamentos que hoje são lembrados como verdadeiras lendas, como Quackshot, Streets of Rage, Turtles in Time, Super Ghouls ‘n’ Ghosts, Out of This World, Super Castlevania IV e muitos outros.

E qual será o primeiro game que homenagearemos no “Projeto 1991” aqui do Cemetery Games? Você vai descobrir ainda hoje. Fique ligado!