Em algum verão entre o final dos anos 80 e começo dos 90, fui certa noite para a praia com meus pais. Chegando lá, vejo que meu tio está se divertindo com um Master System emprestado pelo vizinho. Um dos games embasbacantes que ele estava jogando era um game de corrida no qual o jogador controlava uma linda Ferrari vermelha, tinha uma loira no banco do caroneiro e corria por paradisíacas estradas à beira-mar num belo dia de verão, ao som de uma música que traduzia perfeitamente o espírito da coisa toda. Desde esse fatídico momento, eu me tornei um fã eterno daquele jogo: OUT RUN, um dos maiores clássicos da Sega. E, sendo um dos games “praianos” mais icônicos de todos os tempos, é claro que ele não poderia ficar de fora do nosso VERÃO RETROGAMER 2011!
A versão de Out Run do Master System foi o primeiro contato que tive com o jogo, e – pelo menos na minha percepção de criança/adolescente – naquela época era a versão mais conhecida e difundida de Out Run aqui no Brasil. Mas as (muitas) versões para consoles domésticos de Out Run serão tema da segunda parte desse post. Agora, nós vamos destrinchar um pouco da história e da mecânica do game original, que foi lançado pela Sega em 1986 nos arcades (aquilo que nós na época chamávamos “fliperamas”).
O criador de Out Run é Yu Suzuki, hoje uma lenda da indústria dos games e, naquela época, uma estrela em ascensão dentro da Sega. Em três anos trabalhando para a empresa, ele já tinha sido responsável por dois grandes sucessos (que posteriormente se tornariam clássicos memoráveis da Sega): Hang-On e Space Harrier.
Mas, dessa vez, a ambição de Suzuki era maior. Naqueles tempos, a Sega já era uma autoridade no setor de arcades, mas ainda não tinha chegado em seu ápice, e enfrentava uma forte concorrência da Namco, que continuava superior principalmente no que dizia respeito a arcades de corrida. A ideia de Suzuki era criar um game do estilo diferente de qualquer coisa feita até então, e que deixaria a concorrência léguas atrás.
A faísca criativa para a idealização de Out Run partiu de um filme de 1981 chamado The Cannonball Run (conhecido aqui no Brasil como “Quem Não Corre, Voa“). Nas palavras de Yu Suzuki: “O ímpeto principal por trás da criação de Out Run foi a minha paixão por um filme chamado The Cannonball Run. Eu achei que seria bom fazer um jogo como aquilo. O filme cruza os Estados Unidos, então eu fiz um plano de seguir a mesma rota e ir coletando dados pelo caminho. Mas eu percebi, depois que eu havia providenciado tudo, que o cenário do percurso na verdade não mudava muito, então eu repensei meu plano e decidi, ao invés disso, coletar informações na Europa“.
Sim, o esmero na produção de Out Run foi grande. Suzuki fez pesquisa de campo, por locações diversas pela Europa, para capturar a beleza e atmosfera das paisagens e locações que posteriormente inspirariam os belíssimos e variados cenários do game. “Devido ao conceito ‘transcontinental’, eu senti que eu deveria em primeiro lugar seguir a rota por conta própria, pegando dados e informações com uma câmera de vídeo, uma máquina fotográfica e outros equipamentos. Eu comecei de Frankfurt, onde aluguei um carro, e então instalei uma câmera de vídeo no veículo. Eu dirigi por Mônaco e Monte Carlo, pelas estradas montanhosas da Suíça, parando em hotéis em Milão, Veneza e Roma, trabalhando de noite nos dados e informações que eu havia coletado. Tenho muitas memórias felizes dessas viagens“.
Out Run foi um sucesso absoluto nos arcades e se tornou um marco na história dos games de corrida. Os motivos para tanto são vários. Primeiro, o já referido esmero nas locações. Quem jogava o game naquela época ficava impressionado não apenas com a beleza dos cenários, mas também com a variedade dos mesmos. Praias, campos verdejantes, montanhas, coqueiros, monumentos de pedra, neve, tudo aquilo criava uma sensação de imersão sem precedentes, e realmente pela primeira vez um game colocava o jogador numa situação verossímil de viagem de longa distância. A qualidade dos gráficos também era essencial para isso. O game fazia uso de uma tecnologia então em voga nos arcades da Sega, chamada Super-Scaler (que Suzuki já tinha utilizado com sucesso em Hang-On e Space Harrier). Essa tecnologia usava sprites bidimensionais para criar um efeito de tridimensionalidade, o que era feito através da exibição e redimensionamento dos sprites com alto frame-rate, em diferentes escalas, criando para o jogador a impressão de uma rápida movimentação 3D.
O outro destaque de Out Run era o seu sistema de jogo. Apesar de ser um game “de corrida”, o próprio Yu Suzuki sempre disse que sua intenção era mais criar um jogo “de dirigir” do que proprimente de “correr” (no sentido de competir com outros veículos). De fato, a única “corrida” que Out Run apresenta é contra o tempo, e não contra veículos adversários. A velocidade é uma parte importante do game, mas não mais importante do que a ambientação, a trilha sonora, a atmosfera e o feeling geral disso tudo. Suzuki explica: “Eu queria fazer um jogo onde você pudesse desfrutar de magníficas mudanças de cenários e paisagens enquanto dirigia, e realmente ter uma boa sensação enquanto jogava – e não uma jogabilidade baseada num estilo rígido de dirigir (…). O conceito de Out Run não era sobre dirigir freneticamente apenas para chegar em primeiro no último momento. Era sobre proporcionar uma bela viagem para uma mulher bonita sentada ao seu lado, e dirigir por aí num carro luxuoso com uma só mão no volante, chegando ao final do trajeto em primeiro lugar por uma ampla margem – e com tempo de sobra”. Portanto, se você sempre encarou Out Run como um perfeito game de verão e como uma brisa litorânea de ar fresco, não culpe apenas a sua imaginação desvairada: a intenção de Yu Suzuki não era outra senão essa.
As inovações de Out Run não ficavam por aí. Outra novidade legal era que não existia apenas um único caminho para se chegar ao final da corrida. O jogo começa em Coconut Beach. Saindo da praia, duas opções se abrem: Gateway (à esquerda) ou Devil’s Canyon (à direita). Indo por Gateway, posteriormente o jogador pode escolher entre Desert ou Alps. Já quem vai pelo Devil’s Canyon pode ir pelos Alps ou pela Cloudy Mountain, e assim por diante. Ou seja, são cinco estágios em cada partida, mas apenas o primeiro estágio (Coconut Beach) é fixo. Existem duas opções de segundo estágio, três para o terceiro, quatro para o quarto e cinco no último estágio, totalizando nada menos do que QUINZE estágios diferentes, cada um com um cenário e atmosfera únicos. Não é por nada que Out Run deixava os concorrentes comendo poeira naquela época!
Uma outra – e importantíssima – distinção de Out Run diz respeito à sua jogabilidade. Além do tradicional “acelerar e frear”, Out Run rodava em um gabinete com volante e câmbio semelhantes ao de um automóvel de verdade. Ou seja, para se dar bem, o jogador precisava dominar o “feeling” de saber os momentos certos de desacelerar, frear ou reduzir a marcha (são apenas duas marchas: low e high). Somado ao fato de que a Sega também tentou reproduzir variáveis como torque e rendimento do motor, tudo resultou num game de corrida que se assemelhava ao ato real de dirigir da maneira mais fidedigna já vista até então.
Suzuki esclarece: “Na época do desenvolvimento de Out Run, games de dirigir eram feitos de modo que uma colisão com outro veículo automaticamente resultava numa explosão, e eles apresentavam muitas coisas que seriam impossíveis com carros de verdade. Mesmo que você fosse bom em dirigir carros reais, as habilidades necessárias nesses jogos eram completamente diferentes. Eu queria fazer um jogo de dirigir no qual as pessoas que fossem boas na direção pudessem também colher bons resultados no jogo. Por esta razão, tanto quanto era possível, nós simulamos características como cavalos de potência, torque, marchas e engenharia dos pneus, tudo próximo dos carros reais. Para as características que eram difíceis de controlar, nós adicionamos a assistência da inteligência artificial. Para o seu tempo, eu acho que o nível da produção de Out Run foi muito alto“.
Para encerrar, existe ainda um outro motivo que foi importante para o sucesso do jogo (e também para a transformação dele em um ícone histórico dos games posteriormente), e esse motivo é óbvio para todo mundo que já jogou Out Run: a sensacional trilha sonora. Embora a composição das trilhas tenha seguido orientações dadas por Suzuki, o responsável direto pelas maravilhosas faixas do game é Hiroshi Miyauchi, que na época já era um compositor “da casa” da Sega. Out Run apresentava três faixas “in game”: Splash Wave, Magical Sound Shower e Passing Breeze – sendo que o jogador podia selecionar a música desejada para sua partida antes do começo do jogo. Uma quarta faixa (igualmente fantástica em termos de feeling), chamada Last Wave, tocava ao final da partida, na tela dos high-scores. Versões posteriores do game tiveram a adição de novas composições (a versão de Out Run do Mega Drive – de 1990 – tinha uma faixa extra chamada Step On Beat, e o Out Run 3D do Master System – de 1989 – tinha as faixas extras Color Ocean, Shining Wind e Midnight Highway).
Gráficos caprichados, grande variedade de cenários, músicas inesquecíveis, uma jogabilidade sem precedentes e, acima de tudo, uma atmosfera que fazia o jogador se sentir numa incrível viagem de férias de verão. A síntese do sentimento de jogar Out Run na época em que jogo era relativamente novo é uma experiência difícil de explicar em palavras, ainda mais levando-se em conta o incrível avanço tecnológico dos videogames desde então, o que naturalmente fez com que o game perdesse o brilho relativo aos seus predicados visuais. Mas, passados 25 anos, poucos games de corrida posteriores foram capazes de criar uma atmosfera tão poderosa e de capturar de forma tão eficaz os sentidos do jogador como fez Out Run. E, no próximo post sobre esse clássico jogo, nós iremos ver como Out Run fez sua migração para os consoles e microcomputadores da época. Pé na estrada, pessoal – e não esqueçam do bronzeador e dos óculos escuros!
Sim, uma Ferrari Testarossa conversível. Ela existe mesmo!