O pessoal mais jovem não vai lembrar disso, mas já existiu um mundo pré-STREET FIGHTER II. Ao ser lançado em 1991, o clássico da Capcom consolidou o gênero “games de luta” e se tornou o referencial absoluto no estilo. Daí em diante, jogos de luta passaram a ser algo popular e corriqueiro.
Mas nem sempre foi assim. Antes da febre sem precedentes de Street Fighter II, os jogos de “dar porrada” costumavam ser do estilo beat’em up, ou seja, de andar pelas fases derrotando gangues de inimigos (Final Fight, Renegade, Double Dragon, etc). Games de luta “um contra um” já existiam há muito tempo (vide o famoso The Way of Exploding Fist, de 1985), mas ainda eram raros e esparsos, e não costumavam surpreender em termos técnicos.
E eis que, em 1990, aparece nos arcades um game de luta como nunca antes se havia visto: luta-livre de rua, violento, com gráficos excepcionais e personagens elaborados através da digitalização da imagem de atores reais (uma técnica que seria usada de forma mais refinada, três anos depois, em Mortal Kombat). Era Pit-Fighter, e vinha ao mundo pelas mãos da Atari, empresa célebre no ramo mas que já tinha vivido dias melhores.
Na infância e adolescência, nunca cheguei a jogar Pit-Fighter no arcade. Conheci o jogo no final de 1991, através de uma matéria da revista Supergame que anunciava o lançamento do jogo para o Mega Drive. Lembro de ter ficado babando! Alguns anos depois, vim a jogar bastante a versão do Mega.
Não quero iludir ninguém: Pit Fighter foi um sucesso na sua época, mas estava longe de ser perfeito. A jogabilidade era meio tacanha e limitada mesmo no original. Os brutamontes que se degladiavam na tela tinham a agilidade de dublês do Monstro de Frankenstein. A animação era meio tosca, os golpes eram limitados e os grandalhões ficavam parecendo meio “mongos” em ação. Não era nada parecido com aquela jogabilidade maravilhosa, fluída e cheia de golpes variados que Street Fighter II posteriormente traria ao mundo.
Mesmo com esses defeitos, era quase impossível não gostar de Pit-Fighter. Os gráficos eram impressionantes e a estética do jogo era muito legal, com adversários que pareciam saídos do filme Mad Max II. Os protagonistas eram três brutamontes – Buzz, Ty e Kato – que se atiravam no submundo da luta-livre para faturar uns trocados, enfrentando adversários fascínoras em competições marginais, diante de uma platéia ensandecida de pessoas da pior espécie. Os espectadores eram uma bandidada tão nojenta que, se você fosse jogado perto da platéia, volta e meia levava uma facada nas costas de algum marginal ou era arremessado de volta ao ringue. É mole?
Apesar dos golpes meio limitados e toscos, a violência gráfica de Pit-Fighter era impressionante para a época, e dava gosto animalizar o adversário, que invariavelmente era um maníaco com um nome de psicopata, como Executioner ou Chainman Eddie. Pode parecer pouca coisa para os padrões atuais, mas naqueles tempos era próximo do máximo de selvageria imaginável num videogame.
Para que vocês possam ter uma boa idéia de como o game era visto na época, aproveito para transcrever uma parte da matéria da revista Supergame nº4, de novembro de 1991, que ostentava Pit Fighter na capa:
“Ele já saiu no Japão. Está saindo no States e deverá ser lançado no Brasil. Você o conhece dos arcades como o melhor jogo de luta feito até hoje (com a exceção possível de Full Contact para PC Engine). Pit Fighter finalmente chegou para Mega Drive. E chegou bem, muito bem, obrigado.
Os incríveis gráficos digitalizados perderam um pouco na adaptação para Mega, é verdade. E, como se poderia imaginar, não dá pra jogar em três, como no arcade, mas sim em dois (nada mal). Mas o resto todo está aí. E é muito quente. Os pulos, chutes e socos são tão bons quanto no arcade. A dificuldade é maior ainda. Você vai apanhar bastante até chegar na oitava – e última fase.
Mas o melhor mesmo de Pit Fighter é a velha e boa violência. Em nenhum outro jogo você dá porradas com tanto gosto e as recebe com tanta dor. Quando você levanta um daqueles grandalhões fedorentos e os joga pelo ar, dá pra sentir o chão tremer. E, quando um desses nojentos acerta uma paulada em você, a experiência é igualmente aguda“.
AS VERSÕES
Pit-Fighter “virou a cabeça” dos jogadores na época, e recebeu uma enxurrada de conversões para consoles caseiros e microcomputadores. A primeira versão caseira a fazer barulho foi a do Mega Drive, que sempre foi e continua sendo minha versão favorita. Outra boa versão foi a do Super Nes, embora rapidamente ofuscada pelo fenômeno Street Fighter II, que dominaria as telas de todos os Super Nes do planeta pouco tempo depois. A versão para Amiga, por sua vez, não foi considerada grande coisa nem na época de seu lançamento.
Pit-Fighter no Mega Drive: inferior, mas convincente. Uma boa adaptação do sucesso do arcade.
Apesar da boa qualidade das versões Mega Drive e Super Nes, a verdade é que nem mesmo estas conversões melhores faziam jus ao original do arcade no que diz respeito à qualidade dos gráficos e tamanho dos lutadores na tela. Nos arcades, o game apresentava um interessante efeito de “mudança de câmera”, que às vezes aumentava ou diminuia o zoom nos personagens, mudando a sensação de aproximação do jogador. As versões domésticas de Pit Fighter deram chá de sumiço nesse efeito e tiveram que se contentar com personagens menores e mais atarracados. Mesmo assim, a jogabilidade se manteve.
Apesar das inovações tecnológicas de Pit-Fighter, isso não impediu que fossem lançadas várias versões do jogo também para sistemas de 8-bits, o que naturalmente era “forçar a barra”. A versão para Spectrum era visualmente horrenda, mas dividiu opiniões na mídia especializada na época: a revista CRASH deu ao game nota 2.7 (uma das mais baixas que eu já vi na publicação), enquanto que a revista YOUR SINCLAIR foi bem mais generosa e deu ao jogo nota 8.0. Vai entender! O jogo também não se saiu bem no Commodore 64.
O Pit-Fighter do Spectrum era mais feio do que um acidente de trem!
As boas cores do Commodore 64 não salvaram essa versão da mediocridade.
Uma versão de Pit Fighter foi lançada para o Master System. Nunca cheguei a experimentá-la mas, em janeiro de 1993, a própria revista da Sega, Sega Power Magazine, deu nota 4.7 para o jogo. Portanto, recomendo distância.
O jogo foi lançado em 1992 também para o Game Boy e, pra ser sincero, era uma versão aceitável para os padrões do velho portátil. Nem seria justo esperar uma versão melhor do hardware econômico e da tela monocromática do aparelho.
Por fim, em 2004 a versão arcade de Pit-Fighter foi incluída na coletânea Midway Arcade Treasures 2, lançada para Playstation 2, Game Cube e Xbox. No entanto, a opinião corrente é de que a emulação do game presente nessa coletânea não foi totalmente fiel ao original, apresentando algumas diferenças em termos de sons e velocidade do jogo. Em 2006, Pit-Fighter também foi incluído na coletânea Midway Arcade Treasures Deluxe Edition para PC.
Pit-Fighter deu as caras até em minigame (os gráficos e jogabilidade, mesmo assim, provavelmente eram superiores aos da versão do Spectrum!