SNOOPY AND THE RED BARON (ATARI 2600, 1983)

Durante a época em que tive um Atari (mais precisamente, um clone nacional – o Supergame da CCE) entre 1987 e 1992, me acostumei com jogos com gráficos “quadradões”. Haviam algumas honrosas exceções aqui e ali, mas no geral a biblioteca do clássico console de segunda geração da Atari era constituída de títulos com gráficos em baixa resolução e pouca sofisticação visual. Personagens e cenários sem grande definição eram habituais, e era gritante o contraste com os gráficos desenhados e nítidos de consoles mais modernos, como o Nintendo 8-bits (NES) e o Master System.

Então, em algum ponto do final dos anos 1980 e começo dos anos 1990, conheci este game do Snoopy. Por si só, já era uma alegria ver um dos meus personagens favoritos em um jogo de Atari. Mas não ficava só por aí. Com um visual que parecia saído diretamente das páginas dos quadrinhos ou do desenho animado, à primeira vista Snoopy and the Red Baron parecia mais um game dos primeiros dias do NES do que um jogo de Atari. Os gráficos eram nítidos, detalhados e ricos em cores. A qualidade era impressionante para os padrões do console, apresentando um Snoopy perfeitamente caracterizado enquanto encarnava um dos delírios imaginativos mais legais do personagem – o “Às da Primeira Guerra” que, usando a sua casinha de cachorro como avião, protagonizava épicos combates aéreos contra o seu arqui-inimigo, o temível Barão Vermelho.

O divertido conceito do jogo e a apresentação visual caprichada vinham acompanhados, ainda, de uma trilha sonora muito acima da média dos padrões do Atari. A excelente música da abertura do jogo (que reproduzia o tema do desenho animado) era seguida de um breve trecho da clássica “Cavalgada das Valquírias” de Wagner. Durante o jogo em si, bons efeitos sonoros de tiros, motores de aviões e explosões complementavam a ação vista na tela. Tudo isso contribuía para colocar Snoopy and the Red Baron naquela categoria de games mais bonitos do Atari, ao lado de títulos como H.E.R.O, Pitfall, Popeye, Keystone Kapers e outros. O nível de atenção ao detalhe visual era tanto que, quando Snoopy é atingido pelo inimigo, é possível identificar sucessivos furos de bala na casinha voadora do personagem.

A ação do jogo é bastante simples. A missão de Snoopy consiste em derrubar o avião do Barão Vermelho quatro vezes consecutivas, encerrando a “fase” e levando o jogador para uma tela de atualização do score obtido e dos itens coletados durante a fase. Ao longo de todo o jogo, o Barão Vermelho atira de seu avião diferentes guloseimas que podem ser apanhadas por Snoopy, incluindo sorvetes, pizzas, hamburguers, pequenos ossos e até copos de cerveja (hey, ninguém é de ferro, certo?). Após este breve descanso, o jogador é novamente colocado em uma arena de combate áreo com o Barão Vermelho, tendo que derrubar mais quatro aviões e assim sucessivamente.

Apesar da sua apresentação audiovisual impressionante para os modestos padrões técnicos do Atari, o “calcanhar de Aquiles” de Snoopy and the Red Baron era a mecânica extremamente repetitiva, que tornava o jogo cansativo e tedioso depois de pouco tempo. Ao contrário de games como Frogger ou H.E.R.O, que apresentavam fases cada vez mais desafiantes e progressivamente introduziam novos obstáculos e desafios, neste jogo as sucessivas fases não trazem surpresas nem novidades. Tão logo o jogador passa a dominar a mecânica do jogo, torna-se fácil avançar ao longo das missões idênticas por dezenas de vezes, tornando a experiência cansativa e muito menos interessante do que poderia ser.

A ampla variedade de itens coletáveis não tem outra utilidade senão fornecer uma vida extra ao jogador, o que só acontece depois de 24 itens apanhados. É um esforço prolongado excessivo para uma recompensa tão modesta, ainda mais em um jogo relativamente fácil no qual o número de vidas disponíveis está longe de ser um problema. O resultado acaba sendo um jogo com partidas bastante longas mas invariavelmente monótonas. Depois de vinte ou trinta minutos passando por dezenas de fases idênticas, é mais provável que o jogador seja vencido pela desatenção ou cansaço resultantes de puro tédio do que pelos desafios do jogo em si.

Essa ausência de uma mecânica mais sofisticada e diversificada provavelmente contribuiu para Snoopy and the Red Baron ter se tornado um jogo relativamente esquecido dentro da biblioteca de títulos do Atari. Considerando o seu divertidíssimo conceito e seus gráficos excelentes, seria razoável imaginar que este jogo poderia ter marcado época e se tornando uma referência memorável para os jogadores de Atari dos anos 1980 e para as gerações de retrogamers que se sucederam desde então. Infelizmente, ao mesmo tempo em que é uma impressionante demonstração técnica das capacidades do hardware do console, Snoopy and the Red Baron deixa a desejar enquanto jogo. Por não conseguir se manter divertido por mais do que alguns minutos, a experiência acabava sendo rapidamente esquecível.

Apesar de seus defeitos, quem jogou este game naquela época dificilmente poderá evitar o apelo da memória afetiva. Era legal demais ver Snoopy perfeitamente ilustrado em um game de Atari, voando pelo céu com sua casinha e trocando tiros com o Barão Vermelho. A forma brilhante como o conceito foi transposto para um jogo de Atari, com grande qualidade audiovisual, é motivo suficiente para que o jogo ainda mereça uma conferida casual, mesmo depois de passados quase quarenta anos desde o seu lançamento. Snoopy and the Red Baron é um daqueles títulos que comprovam que, nas mãos de programadores habilidosos, o bom e velho Atari era capaz de coisas impressionantes e que iam muito além do que a própria fabricante do console imaginava possível quando lançou o aparelho no mercado em 1978.

MARATONA ATARI

E aqui vamos nós para mais uma etapa heróica da nossa mega-épica Maratona Atari, a insana e audaciosa iniciativa do Cemetery Games de jogar TODOS os games que foram lançados para o clássico videogame Atari 2600, o popular “vovô” de todos os consoles modernos.

Dessa vez, para adicionar bastante emoção na nossa intrépida jornada, nós vamos homenagear um dos grandes heróis do Atari! Já adivinhou quem é, né? Pitfall? Pac Man?? Frogger??? H.E.R.O?!??

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Não: o MARIOPeraí, o Mario? Como assim “o Mario”? Ora, mas o Mario não nasceu junto com o Nintendo 8-bits, o videogame que sucedeu o Atari nos corações e mentes dos jogadores de todo o mundo? O Mario não é o mascote e símbolo máximo da Nintendo? Como é que ele pode ter dado as caras no Atari? Que bruxaria é essa!?

Sem desespero, intrépidos retrogamers! A gente explica tudo. O negócio é o seguinte: como muitos de vocês provavelmente já sabem, antes de virar o mundo de cabeça para baixo como protagonista do clássico Super Mario Bros (lançado em 1985 para o Nintendo 8-bits), o valente encanador italiano já havia feito sucesso nos arcades em dois jogos anteriores lançados pela Nintendo.

O primeiro deles foi o célebre DONKEY KONG, lançado em 1981, no qual Mario precisava resgatar sua namorada das garras de um gorilão sequestrador e imitador do King Kong. No entanto, ao longo dos anos, o genérico vilão se tornaria uma celebridade por conta própria.


A segunda aparição do Mario se deu também nos arcades, em 1983, com o game MARIO BROS, o antecessor espiritual do clássico game de plataforma do NES. Este é o jogo que define Mario como um encanador, já que ele e seu irmão Luigi (que faz sua estreia nesse game) têm a missão de investigar esgotos subterrâneos para remover diversas criaturas estranhas que invadiram os encanamentos e passagens debaixo da terra. Sabe todo aquele lance que você vê em Super Mario Bros de pular em tartaruguinhas, entrar em canos e explorar passagens subterrâneas? Tudo isso foi “herdado” de Mario Bros, o game anterior.


Ok, mas … o que o bom e velho Atari 2600 tem a ver com isso? Simples: entre 1982 e 1983, o Atari ainda era o videogame dominante no mercado e o infame “crash” da indústria de games ainda não tinha ocorrido. Então, como seria naturalmente esperado, esses dois sucessos dos arcades foram oportunamente adaptados para o Atari pela Nintendo.


O primeiro a dar as caras no velho console foi Donkey Kong, que apareceu no Atari em 1982. A versão caseira ficava anos-luz atrás dos gráficos bonitos e detalhados do original dos arcades. Para piorar, apenas duas das quatro diferentes telas originais do arcade foram convertidas para o Atari, tornando o jogo mais pobre e repetitivo. Apesar dos pesares, Donkey Kong é um dos grandes clássicos do Atari e um dos melhores games disponíveis para o console. Era um dos meus jogos favoritos na infância, e eu nem imagino quantas centenas de partidas de Donkey Kong eu devo ter jogado no meu velho Atari quando criança.


Donkey Kong era um game popular no Atari. O mesmo não pode ser dito de Mario Bros, lançado para o console em 1983. Pelo menos aqui no Brasil, se tratava de um game bastante incomum. Eu jamais tive contato com o jogo durante a vida útil do meu Atari, e só fui conhecê-lo, já adulto, por meio dos emuladores.


O jogo é uma adaptação razoavelmente fidedigna do Mario Bros dos arcades, embora com enorme perda em qualidade visual, mais ou menos na mesma proporção do que aconteceu com Donkey Kong. No entanto, a mecânica do jogo foi preservada. A jogabilidade … bem, nem tanto. O resultado é um pouco tosco, mas aceitável para os padrões do console. O que mais irrita é o ruído infernal do caminhar do Mario. Presumivelmente, era para ser o som de passos, mas mais parece uma metralhadora do Call of Duty ou coisa parecida. Se você pretende quebrar recordes de pontuação nesse jogo, sugiro desligar o som da televisão ou providenciar desde logo um bom analgésico para a inevitável dor de cabeça que virá.


Apesar do Mario Bros do Atari ser legalzinho, dessa vez a adaptação para a plataforma doméstica não fez o mesmo barulho do que Donkey Kong. Existem várias explicações para isso. Primeiro: o Mario Bros dos arcades não fez, nem de longe, o mesmo sucesso que o aclamado Donkey Kong. Segundo: em 1983, quando Mario Bros e sua versão para Atari foram lançados, o mercado do Atari estava prestes a ruir, e o console já era de certa forma considerado obsoleto nos mercados mais desenvolvidos, pois já contava com cinco anos de vida e enfrentava a concorrência cada vez mais desleal de diversos microcomputadores domésticos, como ZX Spectrum, Apple II e Commodore 64, que apresentavam capacidades gráficas e sonoras muito superiores.


Seja por uma coisa ou outra, Mario Bros se tornou uma espécie de “ilustre desconhecido” na biblioteca de jogos do Atari 2600, e muita gente que jogou dezenas e dezenas de games de Atari lá nos idos dos anos 80 jamais tomou conhecimento de que havia outro game do Mario para o console além do clássico e popular Donkey Kong.

Por hoje era isso, pessoal. Aguardem para breve mais uma etapa da nossa corajosa Maratona Atari!

DOUBLE DRAGON (1987, Arcade, Atari, NES, Master System, Mega Drive, MSX, ZX Spectrum, Game Boy)

Já analisamos aqui no Cemetery Games o game que inaugurou o gênero beat’em up (briga de rua), que foi muito popular nos anos 80 e na primeira metade dos 90. Trata-se de Kung Fu Master, de 1984. Também já dissecamos por aqui o game que definiu a estética do gênero, ditando o visual e os elementos narrativos básicos de todos os beat’em ups posteriores: Renegade, de 1986.

Agora, chegou a vez de analisarmos o beat’em up definitivo dos anos 80. O mais inovador, mais memorável, mais influente e de maior sucesso entre todos de sua época. Uma lenda eterna da história dos videogames, consagrada nas máquinas de arcade e posteriormente adaptada para quase todo console doméstico e microcomputador existente em sua época. O primeiro, o único e inimitável DOUBLE DRAGON, lançado em 1987 pela Technos (no Japão) e distribuído no mundo ocidental pela Taito.

A história de Double Dragon está intimamente ligada com a de Renegade. Como já vimos anteriormente, Renegade foi a adaptação ocidental de um game japonês chamado Nekketsu Kōha Kunio-kun. A Technos, é claro, gostou muito do sucesso internacional que a localização do jogo original fez. No entanto, esse processo era muito caro e complexo para a época, pois envolvia a substituição de cenários e personagens inteiros do game original, o que demandava tempo de programação e custos adicionais.

Num belo dia, o programador Yoshihisa Kishimoto estava trabalhando na continuação de Kunio-kun quando foi abordado por seu chefe na Technos, Kunio Taki. O Sr. Taki convenceu Kishimoto que, ao invés de a empresa lançar Kunio-Kun 2 apenas no mercado japonês e depois gastar tempo e dinheiro “localizando” o game para o mercado europeu e americano, seria mais inteligente e lucrativo criar um novo game que fosse, desde o início, aceito no mundo inteiro. Um jogo com temática e visual voltados para os mercados ocidentais, que pudesse ser igualmente bem sucedido dentro e fora do Japão sem precisar de adaptações posteriores. Com isso, Kunio-Kun 2 foi engavetado. Nascia o conceito de Double Dragon.

Quando eu era criança, eu vi ‘Enter the Dragon’, filme de Bruce Lee. Eu me tornei o maior fã dele. Ele fez os mais incríveis filmes de ação do mundo. E eu queria me tornar como ele, e criar os mais incríveis games de ação do mundo. Então, como Bruce é um ator mundialmente famoso, ele me inspirou para o meu novo jogo. É como uma homenagem, sabe? O apelido dele era “O Pequeno Dragão”, certo? Como o conceito de Kunio-Kun 2 era um game para dois jogadores, eu decidi criar os ‘Irmãos Lee’ e chamar o meu jogo de ‘Double Dragon’“, afirma Kishimoto.

Na trama, uma sinistra gangue de rua chamada Black Warriors sequestra Marian, a garota pela qual os irmãos Jimmy e Billy Lee estão apaixonados. Os dois são mestres em artes marciais e não pensam duas vezes antes de atravessar a cidade para resgatar sua amada, descendo a porrada nas hordas de lutadores de rua que integram a gangue. No final do jogo, chegando ao esconderijo dos bandidos, os heróis precisam derrotar o chefão dos Black Warriors, um maníaco chamado Willy – que, infelizmente, tem o desagradável costume de andar por aí carregando uma enorme metralhadora!

Double Dragon seguia com fidelidade a estética consagrada em Renagade: briga de rua em cenários urbanos distópicos e intimidadores, os inimigos representados por diferentes estereótipos de gangues de rua (a piranha seminua com jeitão de garota de programa, o magrão de camisa regata com um taco de baseball, o negão parrudo, etc), golpes variados que incluem socos, chutes e voadoras, uma jornada que começa no centro da cidade e vai até o covil da gangue inimiga, a movimentação em quatro direções diferentes, etc.

Por outro lado, do ponto de vista técnico, Double Dragon botava Renegade no chinelo. Enquanto as fases de Renagade continham apenas duas telas diferentes cada uma (e um mínimo de “scrolling”), em Double Dragon o jogador se aventurava por fases bastante extensas, percorrendo longos trajetos em cenários marcados pela riqueza de detalhes visuais. O ambiente era mais interativo e “vivo”: era possível pegar armas no chão, pegar barris para atirar nos inimigos, subir em escadas, etc.

Double Dragon foi o primeiro beat’em up com um verdadeiro scrolling multi-telas“, diz Kishimoto. “Era difícil estabelecer o que era melhor para isso. Scrolling forçado? Scroll livre? Por exemplo, se tivéssemos usado free scrolling, o jogador poderia caminhar direto até o final de cada estágio sem lutar com ninguém. Mas, como as posições dos inimigos são pré-determinadas, eles aparecem quando você chega em certos pontos da fase. Assim, se o jogador não luta, todos os inimigos da fase iriam aparecer e ficar perseguindo Jimmy e Billy. Isso faria com que houvesse um excesso de sprites na tela, o que faria o jogo travar. Hoje, o conceito e o scrolling de Double Dragon parecem muito naturais, mas naquele tempo foi uma ideia pioneira. Levou tempo para que essas configurações técnicas parecessem tão naturais quanto possível“, explica o programador.

 

Double Dragon logo se transformou num dos games de maior sucesso dos anos 80. Naturalmente, isso levou o jogo a ser convertido para praticamente tudo o que era máquina de rodar games que existia naqueles tempos, incluindo até mesmo – pasmem! – o Atari 2600, que naquela época já contava com respeitáveis 10 anos de existência no mercado! Também saíram versões para Nes, Master System, Game Boy, Mega Drive, Lynx, MSX, ZX Spectrum, Commodore 64, Amiga, Amstrad CPC, Atari ST, Atari 7800 e para IBM-PC (sistema operacional DOS). Isso, é claro, para não falar do sensacional remake Double Dragon Advance, lançado em 2003 para o Game Boy Advance (e, na minha modesta opinião, possivelmente a melhor versão desse clássico já feita até hoje).

Não conheço todas as versões existentes de Double Dragon, mas joguei várias delas e vou comentar rapidamente as adaptações que conheço:

MASTER SYSTEM: era a versão mais popular de Double Dragon aqui no Brasil, entre o final dos anos 80 e começo dos 90. Até hoje se discute qual versão é melhor, se esta ou a do NES (Nintendo 8-bits). Pessoalmente, prefiro a do Master. Como acontecia com praticamente todas as versões do jogo, essa adaptação era claramente inferior ao original dos arcades, mas ainda assim mantinha com muita fidelidade o espírito e a jogabilidade de Double Dragon, e certamente é um dos melhores beat’em ups de consoles de 8-bits já feitos. Ainda considero uma ótima pedida, principalmente para ser desbravado com dois jogadores ao mesmo tempo.

NES: possivelmente era a versão doméstica mais popular de Double Dragon pelo mundo afora, dado o fato de que o NES era, de longe, o videogame líder em vendas naqueles tempos. É uma versão competente, mas inferior a do Master System, principalmente porque não permite jogo no modo two-players simultâneo. Curiosamente, é a única adaptação doméstica de Double Dragon na qual Kishimoto esteve envolvido. É possível jogar no modo two-player de forma alternada, com o jogador sempre controlando Billy. Numa das maiores bizarrices já vistas na longa história dos videogames, Jimmy Lee foi transformado no chefão final do jogo! Sim, na versão do NES ele é o verdadeiro líder dos Black Warriors, e precisa ser derrotado após o confronto com Willy! Também é digno de nota o fato de que a versão do NES introduzia um modo two-players simultâneo do tipo “mano a mano”, competitivo, na linha do estilo que seria consagrado anos depois pelo clássico Street Fighter II.

 

ATARI 2600: uma piada, não há outra forma de definir essa vergonhosa conversão. Double Dragon era claramente um jogo sofisticado demais para o hardware do Atari, que na época tinha 10 anos de idade e, nos países desenvolvidos, já era considerado um dinossauro completamente obsoleto. O scrolling foi substituído por telas fixas sucessivas, os gráficos são de uma precariedade comovente e a jogabilidade é virtualmente inexistente. Curiosamente, a responsável por essa picaretagem é a Activision, uma das melhores produtoras de games para o Atari 2600, que aqui protagoniza aquele que é provavelmente o seu maior fiasco na plataforma.

ZX SPECTRUM: a adaptação de Double Dragon para ZX Spectrum padecia de todos os defeitos mais comuns dos games do microcomputador britânico, como o visual pobre em cores e efeitos sonoros escassos e limitados. A conversão não era ruim em termos gerais, mas foi recebida com certa indiferença pela mídia especializada da época (ganhou nota 64 da revista Crash e 80 da revista Your Sinclair). É preciso lembrar que a versão de Renegade lançada para o Spectrum foi uma das mais bem sucedidas entre todas, e o Renegade do Spectrum sempre foi considerado um beat’em up muito superior à versão de Double Dragon lançada para o micro, por paradoxal que isso possa parecer. Além disso, vale lembrar que o Spectrum foi uma das poucas plataformas nas quais Renagade recebeu uma continuação – o elogiado Target Renegade, de 1988.

MSX: foi a versão de Double Dragon que eu mais joguei na infância e adolescência. Pobre de mim! A versão do MSX é a mesma do Spectrum, só que piorada em virtude da lentidão, típica de jogos do Spectrum que eram diretamente convertidos para o MSX sem maiores cuidados. Infernalmente lento e padecendo de toda a mediocridade visual e sonora vista no Spectrum, a versão de Double Dragon do MSX carecia de qualquer atrativo digno de nota.

Curiosamente, uma outra versão de Double Dragon para MSX foi lançada pela Zemina em 1989. A versão da Zemina tinha gráficos coloridos e mais cartunescos, mas eu nunca joguei ela. Dificilmente pode ser tão ruim quanto a lentíssima versão para MSX portada do ZX Spectrum.

MEGA DRIVE: é uma versão bem executada, mas que pecou pelo lançamento tardio, em 1992, quando Double Dragon já era considerado um jogo ultrapassado e que tinha perdido definitivamente a coroa de “Rei dos Beat’em Ups” para jogos mais sofisticados como Final Fight e Streets of Rage. É digno de nota o fato de que o Mega Drive recebeu, praticamente de uma vez só, versões de todos os três games da série Double Dragon. No entanto, em razão da época, isso acabou não fazendo muito barulho.

GAME BOY: Pura diversão! Essa versão portátil de Double Dragon foi um dos primeiros jogos lançados para o Game Boy, e certamente era uma das melhores coisas que você poderia jogar num videogame portátil em 1989. Apesar do visual monocromático, a adaptação reproduz com competência a experiência vista nos consoles “grandes” de 8-bits da época (NES e Master System). A velocidade da ação é boa, a jogabilidade é sólida, o visual é legal e os efeitos sonoros são bem executados dentro das limitações do Game Boy. Sem dúvida, uma versão que merece ser conferida por qualquer retrogamer!

A história de Double Dragon, como sabemos, não terminou por aí. O jogo virou uma trilogia formada pelo elogiadíssimo e clássico Double Dragon II – The Revenge (1988) e pelo controvertido e criticado Double Dragon III – The Rosetta Stone (1990). Em 1992, a série ganharia o seu último game no estilo tradicional beat’em up: Super Double Dragon, lançado exclusivamente para o Super Nintendo. É claro que, futuramente, nós vamos analisar e destrinchar todas estas velharias aqui no Cemetery Games e dar sequência à nossa retrospectiva histórica sobre o gênero beat’em up, hoje bastante esquecido pela indústria dos games.

Nas palavras do próprio Kishimoto: “Double Dragon é como um embaixador de uma década: os anos oitenta. Kung fu, brigas de rua, dragões, Bruce Lee, filmes sombrios de ação … Double Dragon é uma fotografia da cultura pop dos anos oitenta. E, é claro, ele era inovador e incrivelmente divertido.

É isso, pessoal! Escolham a versão de Double Dragon que acharem mais apropriada e partam para salvar a pobre Marian das garras dos fascínoras da Black Warriors!

Maratona Atari – YAR’S REVENGE (1981)

E vamos para mais uma etapa da nossa Maratona Atari, a nossa intrépida iniciativa de jogar e resenhar TODOS os games do Atari 2600 lançados comercialmente nos anos de ouro da segunda geração dos videogames. Para sacodir um pouco as coisas, nós vamos provisoriamente deixar de lado a ordem alfabética que estávamos seguindo até aqui e prosseguir, nas próximas etapas, de uma forma um pouco mais anárquica (ou seja, jogando o que der na telha).

Howard Scott Warshaw foi um programador muito peculiar dentro da história do saudoso Atari 2600, o pai de todos os videogames contemporâneos. Por um lado, ele é o criador do infame E.T – The Extra-Terrestrial, amplamente considerado o pior jogo do Atari, um dos piores jogos de todos os tempos e um dos motivos que levaram o mercado norte-americano de videogames a quebrar no ano de 1983. Se você eventualmente desconhece a desgraça que foi esse game do E.T e o quanto ele se tornou uma lenda e um sinônimo para tudo o que existe de ruim no universo, aguarde pelas próximas etapas da Maratona Atari, pois vai chegar o dia em que nós, corajosamente, iremos encarar esse célebre símbolo máximo da ruindade videogâmica!


Por outro lado, Warshaw também é o criador do jogo original de Atari (ou seja, que não era uma conversão de arcade) que mais vendeu em todos os tempos, e que sistematicamente é referido nas listas de melhores games do Atari. O nome da obra redentora de Warshaw atende pelo esquisito nome de YAR’S REVENGE.

No jogo, você encarna um YAR – uma criatura alienígena que parece basicamente com uma imensa mosca que cospe bolas de fogo ou algo semelhante. Seu objetivo é destruir o maléfico Qotile, um alien inimigo que mais parece um canhão laser, que está protegido dentro de uma espécie de casulo. Para destruir o casulo, o Yar pode atirar nele ou comer pedaços da estrutura (basta encostar nela, embora atirar seja bem mais eficiente).


Com o inimigo exposto, o Yar pode “invocar” um poderoso disparo de laser (o canhão Zorlon), vindo do outro lado da tela, para destruir o Qotile (é o único jeito de destruí-lo, vale lembrar). Só que a missão não será nada fácil, pois o Yar precisa escapar de um pequeno e vagaroso míssil que fica perseguindo o herói pela tela e precisa, ainda, fugir dos ataques do canhão inimigo, que ocasionalmente dispara uma poderosa rajada de energia na direção do herói “moscão”.

É claro que ver tudo isso que foi descrito nos últimos dois parágrafos sendo reproduzido dentro das limitadíssimas capacidades gráficas do Atari 2600 resulta em algo bastante fora dos padrões. Geralmente, games de atirar em alienígenas possuem uma estrutura bem básica, do tipo “meu canhão, a nave alienígena, os tiros do alienígena e os meus tiros”.

Já em Yar’s Revenge, você precisará de algumas partidas para se acostumar com a “baderna” visual do jogo. Logo de cara, você se sentirá no meio de uma viagem de ácido – ou tendo entrado por engano numa festa rave retrô. Vamos ver: uma mosca gigante alienígena, uma enorme e multicolorida/psicodélica parede de energia (ou campo de força, ou sabe Deus o que), um canhão inimigo, um enorme casulo de algo que pode ser qualquer coisa (mel cristalizado, chocolate?), um disparo inimigo em forma de asterisco, um disparo laser que fica à sua disposição quando o Yar encosta no canhão … deu pra entender, né? O jogador precisa de pelo menos uns dez minutos só pra entender o que está acontecendo e o que é preciso fazer.


No entanto, passada a perplexidade inicial, Yar’s Revenge mostra por que é considerado um dos melhores games do Atari. Sua mecânica mais elaborada do que o tradicional esquema “Space Invaders” da época torna o jogo rapidamente instigante e viciante. A ação na tela é ininterrupta e a atenção do jogador precisa estar voltada para múltiplos elementos, o que contribui para o desafio e para uma experiência de ação “arcade” absolutamente original, o que era bastante raro no Atari, já que os melhores títulos de ação eram geralmente conversões de arcades ou de jogos de outros sistemas. Em questão de minutos, você terá passado da sensação de estranheza perante o jogo para o vício de querer jogar outra partida para superar o seu score anterior.

Em 1999, uma versão de Yar’s Revenge foi lançada para o portátil Game Boy Color. É bastante próxima do original, mas com visual significamente melhor trabalhado. Mais curiosa, no entanto, é o remake lançado em 2011 para Windows e Xbox Live Arcade. Essa nova versão é um “rail shooter” no qual Yar é representado como sendo uma fêmea humanóide com uma armadura mecânica que a permite voar (!). É isso aí, conseguiram deixar o game ainda mais bizarro do que já era!


Curiosamente, Yar’s Revenge é provavelmente o único clássico do Atari 2600 que eu não cheguei a conhecer na minha infância, durante os longos cinco anos (1987-1992) em que tive um clone nacional do Atari (o Supergame, da CCE). É meio estranho, considerando a significativa quantidade de jogos que eu tinha na época (os cartuchos compatíveis com Atari vendidos aqui no Brasil eram bastante acessíveis, ao contrário do que começou a ocorrer depois, a partir do Master System) e o grande acesso que eu tinha a cartuchos de amigos, de colegas de escola e ao acervo da locadora de games que já existia na minha cidade. Só o que posso concluir é que Yar’s Revenge realmente não era um game muito popular por aqui, na contramão do enorme sucesso que fez internacionalmente.

De qualquer forma, embora eu só tenha vindo a conhecê-lo já em plena vida adulta, é impossível não incluir tardiamente esse game esquisito, diferente e cheio de ação na lista dos grandes games que o amado Atari 2600 nos legou.

Opa, estava esquecendo de mais uma coisinha: o nome do game é “A Vingança do Yar”. Do que, afinal de contas, nosso herói estaria se vingando? Segundo o manual ilustrado que acompanhava o cartucho, o nosso protagonista mosca está se vingando da destruição de Razak IV, um dos mundos habitados por sua raça, e que foi exterminado pelos inimigos que o herói combate no jogo. Não é a curiosidade inútil mais legal que você já viu na vida?