MARATONA ATARI

E aqui vamos nós para mais uma etapa heróica da nossa mega-épica Maratona Atari, a insana e audaciosa iniciativa do Cemetery Games de jogar TODOS os games que foram lançados para o clássico videogame Atari 2600, o popular “vovô” de todos os consoles modernos.

Dessa vez, para adicionar bastante emoção na nossa intrépida jornada, nós vamos homenagear um dos grandes heróis do Atari! Já adivinhou quem é, né? Pitfall? Pac Man?? Frogger??? H.E.R.O?!??

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Não: o MARIOPeraí, o Mario? Como assim “o Mario”? Ora, mas o Mario não nasceu junto com o Nintendo 8-bits, o videogame que sucedeu o Atari nos corações e mentes dos jogadores de todo o mundo? O Mario não é o mascote e símbolo máximo da Nintendo? Como é que ele pode ter dado as caras no Atari? Que bruxaria é essa!?

Sem desespero, intrépidos retrogamers! A gente explica tudo. O negócio é o seguinte: como muitos de vocês provavelmente já sabem, antes de virar o mundo de cabeça para baixo como protagonista do clássico Super Mario Bros (lançado em 1985 para o Nintendo 8-bits), o valente encanador italiano já havia feito sucesso nos arcades em dois jogos anteriores lançados pela Nintendo.

O primeiro deles foi o célebre DONKEY KONG, lançado em 1981, no qual Mario precisava resgatar sua namorada das garras de um gorilão sequestrador e imitador do King Kong. No entanto, ao longo dos anos, o genérico vilão se tornaria uma celebridade por conta própria.


A segunda aparição do Mario se deu também nos arcades, em 1983, com o game MARIO BROS, o antecessor espiritual do clássico game de plataforma do NES. Este é o jogo que define Mario como um encanador, já que ele e seu irmão Luigi (que faz sua estreia nesse game) têm a missão de investigar esgotos subterrâneos para remover diversas criaturas estranhas que invadiram os encanamentos e passagens debaixo da terra. Sabe todo aquele lance que você vê em Super Mario Bros de pular em tartaruguinhas, entrar em canos e explorar passagens subterrâneas? Tudo isso foi “herdado” de Mario Bros, o game anterior.


Ok, mas … o que o bom e velho Atari 2600 tem a ver com isso? Simples: entre 1982 e 1983, o Atari ainda era o videogame dominante no mercado e o infame “crash” da indústria de games ainda não tinha ocorrido. Então, como seria naturalmente esperado, esses dois sucessos dos arcades foram oportunamente adaptados para o Atari pela Nintendo.


O primeiro a dar as caras no velho console foi Donkey Kong, que apareceu no Atari em 1982. A versão caseira ficava anos-luz atrás dos gráficos bonitos e detalhados do original dos arcades. Para piorar, apenas duas das quatro diferentes telas originais do arcade foram convertidas para o Atari, tornando o jogo mais pobre e repetitivo. Apesar dos pesares, Donkey Kong é um dos grandes clássicos do Atari e um dos melhores games disponíveis para o console. Era um dos meus jogos favoritos na infância, e eu nem imagino quantas centenas de partidas de Donkey Kong eu devo ter jogado no meu velho Atari quando criança.


Donkey Kong era um game popular no Atari. O mesmo não pode ser dito de Mario Bros, lançado para o console em 1983. Pelo menos aqui no Brasil, se tratava de um game bastante incomum. Eu jamais tive contato com o jogo durante a vida útil do meu Atari, e só fui conhecê-lo, já adulto, por meio dos emuladores.


O jogo é uma adaptação razoavelmente fidedigna do Mario Bros dos arcades, embora com enorme perda em qualidade visual, mais ou menos na mesma proporção do que aconteceu com Donkey Kong. No entanto, a mecânica do jogo foi preservada. A jogabilidade … bem, nem tanto. O resultado é um pouco tosco, mas aceitável para os padrões do console. O que mais irrita é o ruído infernal do caminhar do Mario. Presumivelmente, era para ser o som de passos, mas mais parece uma metralhadora do Call of Duty ou coisa parecida. Se você pretende quebrar recordes de pontuação nesse jogo, sugiro desligar o som da televisão ou providenciar desde logo um bom analgésico para a inevitável dor de cabeça que virá.


Apesar do Mario Bros do Atari ser legalzinho, dessa vez a adaptação para a plataforma doméstica não fez o mesmo barulho do que Donkey Kong. Existem várias explicações para isso. Primeiro: o Mario Bros dos arcades não fez, nem de longe, o mesmo sucesso que o aclamado Donkey Kong. Segundo: em 1983, quando Mario Bros e sua versão para Atari foram lançados, o mercado do Atari estava prestes a ruir, e o console já era de certa forma considerado obsoleto nos mercados mais desenvolvidos, pois já contava com cinco anos de vida e enfrentava a concorrência cada vez mais desleal de diversos microcomputadores domésticos, como ZX Spectrum, Apple II e Commodore 64, que apresentavam capacidades gráficas e sonoras muito superiores.


Seja por uma coisa ou outra, Mario Bros se tornou uma espécie de “ilustre desconhecido” na biblioteca de jogos do Atari 2600, e muita gente que jogou dezenas e dezenas de games de Atari lá nos idos dos anos 80 jamais tomou conhecimento de que havia outro game do Mario para o console além do clássico e popular Donkey Kong.

Por hoje era isso, pessoal. Aguardem para breve mais uma etapa da nossa corajosa Maratona Atari!

SPY HUNTER (1983, Arcades e ZX Spectrum)

Já analisamos anteriormente aqui no Cemetery Games o clássico game CHASE H.Q, de 1989, que colocava o jogador em frenéticas perseguições policiais contra criminosos perigosos e implacáveis, simulando uma espécie de visão em 3D, com profundidade, no melhor estilo Out Run.

No entanto, bem antes disso – mais precisamente no ano de 1983, a Bally Midway lançou nos arcades um precursor do estilo, no velho estilo bidimensional com visão “de cima”. Tratava-se de um jogo bastante inovador, sem paralelos na sua ação frenética, que claramente homenageava os filmes de James Bond. Tratava-se de Spy Hunter, um dos jogos favoritos da minha infância e que o tempo tratou de transformar num clássico.

Em Spy Hunter, o jogador encarna um agente secreto numa perseguição a criminosos ao longo de uma estrada. Para fazer frente aos veículos inimigos, o carro do nosso herói é equipado com metralhadoras. Mas todo cuidado é pouco: a estrada está cheia de motoristas inocentes, que devem ser poupados enquanto o jogador acaba com a raça dos bandidos sem permitir que eles terminem com a viagem do protagonista.

Spy Hunter fez muito sucesso nos arcades, mas eu nunca joguei a versão original na infância ou adolescência e só vim a conhecê-la há alguns anos, em plena era da emulação. Ora, mas alguém então poderia se perguntar por que eu disse que o jogo era um dos meus favoritos quando criança. A resposta é simples: por causa da versão do game para o microcomputador ZX Spectrum.

O Spy Hunter do Spectrum foi o único que eu conheci por muito tempo e, na minha cabeça, Spy Hunter simplesmente era um game do Spectrum. Para minha sorte, tratava-se de uma bela conversão do game do arcade. As versões para Commodore 64 e NES por vezes são apontadas como as melhores, mas o fato é que o Spy Hunter do Spectrum era uma conversão extremamente competente em termos de jogabilidade e diversão, apesar de já não impressionar tanto quanto na época do lançamento nos arcades, já que a versão do Spectrum só foi lançada dois anos depois, em 1985.

O Spy Hunter do Spectrum se destaca pelo scroll fluído e de qualidade, bem como pelos bons gráficos. Claro, nem tudo são flores. Na versão que eu jogava (para o modelo do Spectrum que tinha 48k de RAM, basicamente o modelo standard do micro britânico nos anos 80), a música era completamente ausente, com os efeitos sonoros se resumindo a barulhos de tiros. Além disso, a velocidade do jogo, embora boa, era sensivelmente menos frenética do que no original do arcade.

De longe, o que eu mais gostava em Spy Hunter – e o que continua, para mim, sendo o ponto alto do jogo – era a possibilidade de sair da estrada e continuar em frente numa lancha, combatendo inimigos nas águas ao lado da rodovia. Em diversos momentos, a estrada apresentava bifurcações que levavam o automóvel do jogador até um pequeno porto, a partir da onde o veículo automaticamente se transformava numa lancha, voltando novamente a ser um automóvel quando uma saída do rio para a estrada fosse localizada.

Esse elemento dava uma dinâmica completamente inovadora para o jogo, que subitamente passava de uma corrida de automóveis com tiroteio para uma batalha aquática de lanchas. Em alguns pontos do jogo, essa transição era obrigatória – o jogador era subitamente avisado que a ponte próxima havia sido destruída e, portanto, pegar o acesso lateral e continuar pelo rio era simplesmente a única alternativa existente. Ah, e como são estreitas aquelas sinuosas vias de acesso para o rio! Incontáveis vezes, tanto lá no final dos anos 80 quanto hoje em dia, eu acabei por destruir meu carro nos canteiros laterais antes de conseguir acessar o rio.

Ainda hoje, os momentos em que o herói sai do carro para a lancha e segue rio acima representam, para mim, o ápice da diversão em Spy Hunter. Não posso imaginar uma maneira mais fidedigna de representar, num jogo da geração dos videogames de 8-bits, a ação cinematográfica típica dos filmes de 007.

Surpreendentemente, a ação aquática de Spy Hunter não era um elemento previsto quando do desenvolvimento do game, tendo sido adicionada posteriormente, quando o jogo já estava basicamente pronto. Segundo Brian Colins, uma das quatro pessoas envolvidas na equipe de desenvolvimento de Spy Hunter, “quando o jogo já estava completamente funcional, nós percebemos que seria bastante simples recriar a arte já feita e permitir que o nosso herói lutasse na água assim como em terra. O então recém-contratado animador Steve Ulstad foi responsável pelo desenvolvimento da maioria dos veículos aquáticos“.

Spy Hunter surpreende pela riqueza de elementos (lembre-se, estamos falando de um game de 1983!). Além da arma básica, caminhões aliados eventualmente equipam seu automóvel com mísseis e com óleo, que pode ser derramado na pista para ferrar com os inimigos. E não pense que você enfrentará apenas automóveis, não senhor! Caso você pegue a lancha, encontrará adiante invariavelmente um rio tomado de embarcações hostis. E, para piorar, eventualmente é preciso enfrentar um helicóptero – e haja míssil nessas horas!

Basicamente, o jogo era composto de três veículos “do herói” (o automóvel principal, a lancha e o caminhão que fornecia armas), três veículos de civis inocentes (a motocicleta, uma espécie de Fusca e um outro carro de aspecto comum) e seis veículos “do mal”: o Switch Blade (com garras laterais para furar os pneus do automóvel do herói), o Enforcer (parece uma limousine de mafiosos), o Road Lord (parece um carro-forte), o helicóptero (apelidado de Mad Bomber) e duas variedades diferentes de lanchas inimigas. Para ser sincero, não sei dizer com absoluta certeza se todos estes veículos se encontram presentes na versão do Spectrum, mas acredito que sim.

Como já vimos, além dos facínoras homicidas que querem te transformar em presunto, as estradas estão também repletas de motoristas inocentes. Não pense que você sairá impune caso sacrifique acidentalmente algum deles. O jogador não perde pontos, mas fica sem receber pontos durante um certo período de tempo.  Nas palavras de Brian, “era importante não recompensar o homicídio indiscriminado, por mais que isso pudesse ser divertido“.

Apesar de suas inevitáveis limitações técnicas na comparação com o original dos arcades, para mim não tem discussão: Spy Hunter é para ser jogado no Spectrum e fim de papo! Com nota 89% dada pela então célebre revista britânica Crash (especializada em games de Spectrum) e merecedor da distinção A Crash Smash (que era o “selo de qualidade” da revista), o Spy Hunter do micro britânico sempre foi e sempre será, para mim, a versão definitiva deste clássico oitentista de ação em alta velocidade.