1991: MEMÓRIAS DE UM GAMER PRÉ-ADOLESCENTE – PARTE I

falei aqui no Cemetery Games que 1991 foi um ano histórico para os videogames. Trinta anos se passaram e é o momento certo para fazer uma pequena viagem retrô para aquela época. Poderíamos fazer uma lista de grandes jogos lançados naquele ano, dos novos consoles que surgiram, etc. Vou optar por um approach diferente. Quero compartilhar com vocês um review gamer de 1991, na visão da experiência real de alguém que era fã de videogames naquela época.

Bem, o que estava acontecendo na cena dos games naquele ano? Para começo de conversa, a resposta depende de saber aonde você estava. Nos Estados Unidos e no Japão, o Nintendo 8-bits estava estabelecido, de forma hegemônica, como o videogame definitivo de sua geração. O Mega Drive era a grande novidade da época. Ele já estava no mercado há três anos e era incomparavelmente superior ao NES em termos de hardware, mas ainda não tinha uma biblioteca de games suficientemente forte para ameaçar o reinado do console de 8-bits da Nintendo. O Super Nintendo tinha acabado de ser lançado no Japão, mas ainda era uma novidade distante para o público brasileiro.

Como eu não morava nos EUA nem no Japão, minha realidade gamer de pré-adolescente de nove-para-dez anos de idade por aqui era bem diferente. Eu ainda tinha que me contentar tão somente com o meu bom e velho Atari (mais precisamente, o clone nacional Supergame, da CCE), que ganhei em 1987.

O console já era algo como um item de museu nos países desenvolvidos, mas por aqui ainda tinha uma base muito forte. Estávamos nos anos 1990 e lojas por aqui ainda comercializavam cartuchos de Atari. É verdade, sim. Pode acreditar. Eu comprei o jogo Fisher Price do Atari (na versão nacional da CCE) numa loja no centro aqui da minha cidade em 1991 – na época em que, nos EUA e no Japão, o pessoal já estava começando a jogar Super Nintendo!

A razão disso é óbvia: o preço. Aparelhos como os clones nacionais do NES, ou o Master System comercializado no país pela Tec Toy, custavam caro. Mas o verdadeiro problema não era apenas o preço dos consoles, e sim o preço dos cartuchos. Grosso modo, dá para dizer que quatro ou cinco cartuchos do Master acabavam custando o preço do console! Vamos fazer um comparativo em termos contemporâneos: imagine que você esteja querendo comprar um Playstation 4 e que tenha encontrado um aparelho novo à venda por R$ 2.000,00. Agora imagine que os jogos de Playstation 4 só fossem vendidos em mídia física e que todos eles custassem em torno de R$ 400 cada. Proibitivo, né? Pois é. Essa era a realidade do mercado brasileiro em 1991. Não era fácil ser fã de videogames por aqui na época, ainda mais se você fosse uma criança de nove anos.

Daí a sobrevida do bom e velho Atari por essas bandas. Desde o final dos anos 1980, não apenas os clones nacionais do Atari eram baratos como – principalmente – os cartuchos eram baratos. Para vocês terem uma ideia, eu usava uma caixa de sapatos para guardar meus cartuchos. Acho que eu tinha algo em torno de uns 20 cartuchos, e vale lembrar que vários deles continham quatro jogos (a fabricante Milmar era prolífica neste tipo de cartucho “quatro em um”). Se você tivesse um NES ou Master System em 1991, seria basicamente impossível ter essa quantidade de jogos em casa (a menos que, sei lá, a sua família fosse dona de um poço de petróleo).

Mas, mesmo para quem ainda não tinha saído do Atari, 1991 foi um ano de novidades interessantes. Dois fatores, para mim, são os mais significativos. Primeiro: 1991 foi o ano da popularização das LOCADORAS DE VIDEOGAME no país. Elas seguiam o mesmo modelo das saudosas locadoras de filmes, e abriam um novo mundo de possibilidades para os jogadores. De repente, o preço proibitivo dos jogos deixava de ser um obstáculo para conhecer novos jogos. Era possível ficar babando nas caixas expostas dos jogos e tomar conhecimento da existência de títulos dos mais variados (lembrem-se: tudo isso foi muito antes de as pessoas terem internet em casa).

Além disso, as locadoras disponibilizavam consoles de última geração para que os clientes pudessem jogar no estabelecimento. Nunca me esqueço da primeira vez que vi um Mega Drive numa locadora, com o clássico Golden Axe deixando toda a meninada com os queixos no chão.

O jogo era de uma barbárie visual até então inconcebível. O jogador arrebentava os inimigos a golpes de espada ou machado. Os inimigos faziam cara de dor e GRITAVAM quando morriam.

Eu achava tudo aquilo de um realismo inacreditável! Até então, “matar” um inimigo no videogame significava basicamente atirar um projétil na direção dele e vê-lo piscar e desaparecer. Descer o machado numa pessoa até ela morrer berrando era uma sensação bem diferente. Claro: poucos anos depois, Mortal Kombat chegaria para arremessar para o espaço todos os padrões vigentes de violência em videogames.

A novidade das locadoras de videogame me permitiu conhecer games de Atari que, por um motivo ou outro, haviam escapado do meu radar até então. Foi a partir de 1991, graças às locadoras, que eu vim a conhecer “novos” games do Atari, incluindo aí Missile Command, Space Caverns, Jungle Hunt e Star Wars. De certa forma, as locadoras representaram um “sopro de sobrevida” para o meu Atari.

Claro, nem tudo são flores. Por meio das locadoras, eu também vim a conhecer na época algumas atrocidades do Atari como Raiders of the Lost Ark, Haunted House e E.T. – The Extra Terrestrial (mas admito que a tela de abertura deste era bem caprichada para os padrões do console).

Se você acha que a mania de ver outras pessoas jogando videogame é um fenômeno que começou com o YouTube, então é porque não viveu a época das locadoras de games. A gente fazia exatamente isso na época, só que presencialmente. Era um barato ver o pessoal “reservando” aparelhos para jogar NES ou Mega Drive por 30 minutos ou uma hora. Essa era uma das minhas ideias de suprema diversão na época: ir na locadora, alugar um ou dois cartuchos de Atari para o fim de semana, examinar cada caixinha de jogo exposta nas paredes e ver o pessoal jogando nos consoles. De vez em quando, apesar do meu orçamento limitado de fedelho de nove anos, eu até me aventurava a jogar um pouco também.

E qual foi a segunda grande novidade para quem era gamer pré-adolescente no Brasil em 1991? Respondo: as REVISTAS DE VIDEOGAME! Até onde eu lembro, algumas publicações esparsas especializadas em games já tinham aparecido nas bancas no ano anterior, mas 1991 foi O ano do estabelecimento e consagração deste “novo tipo de mídia” aqui no país. Foi uma mudança cultural muito grande. Antes das revistas de videogame, nossas fontes de informações se limitavam a conversas com amigos e colegas de escola. Não existia internet, não existiam programas especializados em games na TV, não existia nada. A gente só conhecia o que via nas lojas, em comerciais ou na casa de algum amigo. De repente, você podia ir numa banca e comprar uma revista com as últimas novidades do mercado nacional e internacional. Não é exagero dizer que revistas de videogame como Ação Games, SuperGame e VideoGame eram para nós, pré-adolescentes de 1991, o equivalente do YouTube e das plataformas de streaming de playthroughs para a gurizada de 2021.

Bom, pessoal, por enquanto era isso. O velho Caveira vai ficando por aqui. Na próxima parte deste nosso pequeno especial “memórias de 1991”, vou falar mais um pouco sobre as revistas de games daquele ano. Fiquem ligados!