MISTÉRIO RETROGAMER SOLUCIONADO: O FIM DE TRINTA ANOS DE BUSCA PELO “BATMAN DEMÔNIO”

Aqui no Cemetery Games, geralmente a gente faz reviews de games antigos, eventualmente de jogos mais recentes, ou detonados destrinchando alguma velharia do começo ao fim. Ocasionalmente, rola alguma lista de melhores games de alguma plataforma, ou melhores jogos temáticos e por aí vai. Mas dessa vez nós vamos tratar de uma coisa inédita por aqui: um MISTÉRIO RETROGAMER, com o qual tive contato pela primeira vez há mais de trinta anos e que, agora, está devidamente solucionado!

Pesquisei sobre este mistério na internet várias vezes ao longo dos anos. Nunca encontrei uma única imagem, nem sequer um relato ou comentário vago a respeito. Portanto, salvo engano, este post representa a PRIMEIRA VEZ que esse assunto é abordado em qualquer site, portal ou perfil de retrogaming.

O mistério em questão é … o segredo para invocar o BATMAN DEMONÍACO!!!

Calma aí que eu vou explicar diretinho essa história.

Vamos voltar para setembro de 1992. Era meu aniversário de 11 anos e, para a minha felicidade, ganhei na ocasião um microcomputador EXPERT da Gradiente, compatível com o padrão internacional MSX. Entre 1992 e 1995, eu fui um entusiasta do MSX, aprendi um pouco sobre programação em Logo e Basic, utilizei alguns aplicativos muito legais como Graphos III e, mais do que qualquer outra coisa, joguei MUITOS games legais naquele computador.

Um dos games que eu adorava naquela época era BATMAN – THE MOVIE, lançado em 1989 e baseado no clássico filme do mesmo ano, dirigido por Tim Burton. Batman – The Movie ainda é um dos meus games de computador favoritos da era 8-bits, e eu já resenhei o game em detalhes aqui no site há 15 anos.

Mas existe um lance sinistro a respeito do game Batman – The Movie que eu deixei de comentar por ocasião daquele review.

É o seguinte: embora curto, o jogo é difícil pra caramba (especialmente nas duas últimas fases). Em razão disso, fiquei interessado em experimentar, lá nos idos de 1992-1994, um “cheat” no qual esbarrei em algum lugar. Até onde eu lembro, era um “poke” para energia infinita (invencibilidade). Os “pokes” eram comuns nos jogos de computador de MSX e ZX Spectrum naqueles tempos. Eram códigos que alteravam endereços de memória dos programas em execução, basicamente “hackeando” os games, geralmente para obtenção de coisas como habilitar escolha de fases, energia infinita, vidas infinitas e coisas do tipo.

Bem faceirão, lá nos anos 90, apliquei um desses códigos no Batman – The Movie do MSX.

Deu certo? Bom, a resposta é … sim! Consegui deixar o Batman invencível, sem perder energia quando atacado pelos inimigos.

Só que, de forma completamente imprevisível, sem qualquer aviso prévio e para o meu absoluto espanto, outra coisa bem esquisita aconteceu: a cara do Batman (ilustrada na parte inferior da tela) mudou completamente, sendo substituída por um horripilante e intimidador Batman em versão demoníaca!

Na época, fiquei completamente desnorteado. Eu simplesmente não conseguia entender o quê aquele Batman diabólico significava. Seria uma advertência dos criadores do game, “cutucando” o jogador por usar códigos para trapacear no jogo? Seria algum tipo de bug bizarro? Seria algum visual antigo do personagem e não utilizado no produto final, mas que de alguma forma era resgatado da memória por conta dos códigos poke?

Até hoje eu não tenho uma resposta para isso. Até hoje, eu não localizei NENHUM relato de qualquer outro jogador que já tenho visto o Batman Demoníaco – e muito menos alguém que saiba explicar a razão da existência dele.

Depois de ter esporadicamente pesquisado sobre o assunto na internet, por anos a fio, sem encontrar absolutamente nenhuma informação ou pista a respeito, uma ideia surgiu na semana passada: e se eu fosse atrás dos códigos poke que usei nos anos 1990 e tentasse, por conta própria, invocar novamente uma aparição do bizarro Batman do mal?

Eu não estava muito convencido de que a ideia daria certo, mas resolvi tentar. E sim, deu certo! Há dois dias, eu consegui – pela primeira vez em mais de 30 anos – reproduzir aquela minha experiência dos anos 90. Consegui fazer o Batman Demoníaco aparecer novamente, e com isso pude fazer os registros das imagens que acompanham este post.

Como o jogo Batman – The Movie do MSX é uma conversão direta do game originalmente lançado para o ZX Spectrum, optei por tentar o truque na versão do Spectrum. Fiz isso porque não consegui localizar na internet nenhum poke para a versão do MSX. Também não consegui localizar nenhuma revista especializada antiga contendo códigos para o jogo (eu seria capaz de jurar que a minha fonte, na época, havia sido a saudosa revista CPU MSX, mas tenho cópias de todas as edições da revista em PDF e não achei nenhuma dica para o game).

Por outro lado, consegui achar na internet, com facilidade, pokes para o Batman – The Movie do ZX Spectrum. Minha hipótese neste experimento era de que, se o Batman Demoníaco realmente existia (depois de tantos anos, eu já estava trabalhando com a possibilidade de que o incidente poderia ter sido apenas fruto da minha imaginação de pré-adolescente), ele não deveria ser uma exclusividade da versão do MSX e deveria estar presente, também, no game original do ZX Spectrum.

Então, usando o emulador SPECTACULATOR, carreguei o game Batman – The Movie do ZX Spectrum. Usando a opção de edição de Poke Memory do emulador, inseri os seguintes códigos poke:

Então, executei o jogo.

O game começa normalmente, com o rosto do Batman na barra de energia com o mesmo “look” de sempre. Graças ao código poke utilizado, o Batman não perde energia. No entanto, essa invencibilidade não significa imortalidade, e o herói ainda morre se cair de grandes alturas. Basta cair de algum lugar alto três vezes para perder todas as vidas.

É aqui que a cobra fuma e a porca torce o rabo: ao perder todas as vidas, usando o poke de invencibilidade, você terá uma surpresa ao iniciar uma nova partida. O Batman padrão da barra de energia será substituído pelo rosto raivoso e intimidador do Batman Demoníaco, com chifres alongados que parecem coisa de filme de terror!

Tá achando que eu estou exagerando, é? Então veja com seus próprios olhos. Esse é o visual normal do rosto do Batman ao longo de todo o jogo.

Fala sério: BIZARRO, não?

Se você procurar por imagens do Batman Demônio no Google, não vai encontrar nada. Em todas as minhas pesquisas, encontrei apenas dois registros fotográficos – mas estavam em revistas antigas posteriormente digitalizadas e eram acompanhadas de textos que não faziam qualquer referência ao “fenômeno”, nem distinguiam o visual normal do Batman do visual “demoníaco”. Um destes registro está na edição nº 70 da clássica revista britânica Crash, de novembro de 1989, cujo review do game mostra uma foto da tela na qual o Batman está com o visual “demoníaco”.

Os outros registros fotográficos estão na edição nº 89 da célebre revista brasileira Micro Sistemas, que trazia um preview do game acompanhado de duas imagens de tela – nas duas, o Batman estava com o visual diabólico.

O fato de o Batman Demônio ter aparecido em previews e reviews do game, na imprensa especializada da época, me faz pensar que realmente este era o design original que os programadores do game idealizaram para o personagem – sendo que provavelmente chegaram a distribuir imagens (ou talvez até cópias de divulgação do jogo) para a imprensa especializada nas quais o Batman ainda tinha aquele visual aterrorizante. Por algum motivo, a desenvolvedora Ocean pode ter optado posteriormente por um look mais “neutro” para o rosto do personagem, deixando o visual original do rosto do Batman “perdido” dentro do código do jogo – e sujeito a ser encontrado apenas mediante o uso de alterações na memória via códigos “poke” de trapaça.

Cabe esclarecer: estou teorizando aqui. Tudo isso não passa de conjectura da minha parte. Talvez a explicação correta seja algo completamente diferente. Talvez existam outras formas (que eu desconheço) de fazer o Batman Demônio aparecer.

O certo é que, até hoje, eu nunca encontrei nenhuma pessoa além de mim que tenha dado de cara com o Batman Demônio, nem qualquer referência a este bizarro fenômeno retrogamer em qualquer lugar na internet. Mas, depois de mais de trinta anos, estou contente por agora finalmente ter conseguido comprovar esta bizarrice e documentar a existência do Batman Demônio do game Batman – The Movie do MSX e do ZX Spectrum. Não era apenas alguma memória falsa, devaneio ou sonho dos meus anos de pré-adolescente na década de 1990: o Batman Demônio é real e basta reproduzir os passos que expliquei acima para que você também possa ter o sinistro prazer de encontrá-lo na tela do seu computador.

Finalizando, como diria o saudoso Jack Palance (que, aliás, interpretou o vilão Carl Grissom no icônico filme do Batman de 1989): ACREDITE … SE QUISER!

TEENAGE MUTANT HERO TURTLES (ZX Spectrum/MSX, 1990)

Neste ano de 2020, o primeiro filme das Tartarugas Ninja comemora impressionantes 30 anos! Parece inacreditável. Ainda lembro de, em algum ponto de 1991, ter alugado ele em VHS numa locadora para assistir em casa. Eu tinha entre nove e dez anos e adorei o filme.

Embora as Tartarugas Ninja tenham feito o seu debut nos EUA em 1984, em histórias em quadrinhos, foi no começo dos anos 1990 que os personagens atingiram o ápice de sua popularidade. Entre 1989 e 1992, foram dois filmes nos cinemas, muitos brinquedos e action figures, uma série animada (que estreou em 1987 mas que atingiu o pico do sucesso alguns anos depois) e quatro games de muito sucesso, que fizeram muito barulho na época e que se tornaram lendários.

O primeiro destes jogos foi lançado pela Konami em 1989 para arcades. Considerado até hoje com um dos games de estilo beat’em up mais amados de todos os tempos, ele foi adaptado com maestria para o Nintendo 8-bits (NES) dois anos depois, em 1991, com o título Teenage Mutant Ninja Turtles II: The Arcade Game. Conversões menos satisfatórias também foram lançadas para vários computadores domésticos da época, como Commodore 64, ZX Spectrum, PC e Amiga.

Hey, mas espera um pouco. O primeiro jogo das Tartarugas Ninja chegou às plataformas domésticas com o nome “Teenage Mutant Ninja Turtles II“? É isso mesmo. O negócio é o seguinte: enquanto que, nos arcades, o primeiro jogo das tartarugas foi o hoje cultuado beat’em up de 1989, nas plataformas domésticas a franquia debutou com um jogo totalmente diferente, embora igualmente desenvolvido pela Konami. Para confundir ainda mais as coisas, ele recebeu o mesmíssimo título do jogo do arcade: Teenage Mutant Ninja Turtles.

A plataforma de estreia deste primeiro TMNT para máquinas domésticas foi o NES, que à época era (de longe) o videogame mais popular que existia no mercado. Ao contrário do título do arcade, que era um jogo de dar porrada sem parar, o game do NES era mais elaborado conceitualmente, porém (bem) menos impressionante sob o aspecto visual e sonoro.

O jogo era um “mix” de aventura com ação, com o jogador navegando por mapas de missão com visão aérea e a partir dali indo a locais que levavam a níveis de ação com progressão lateral. Não era um jogo tão intuitivo e imediatamente agradável como o clássico dos arcades.

Como resultado disso, até hoje os saudosistas do NES e retrogamers contemporâneos se dividem bastante quando relembram do TMNT do NES. Alguns acham que o jogo tinha o mérito de ter uma mecânica diferente e menos repetitiva, enquanto outros acham que as Tartarugas Ninja só mostraram todo o seu verdadeiro potencial no NES em 1991, quando o jogo do arcade foi (maravilhosamente bem) adaptado para o console.

Em 1990, o jogo do NES foi adaptado para diversos computadores, incluindo Commodore 64, Amiga, Atari ST e ZX Spectrum. E é aqui que a coisa fica interessante.

Embora, tecnicamente, a versão para o ZX Spectrum seja mais simples em termos de gráficos e sons do que o original do NES, na prática o resultado final foi um jogo mais fácil (ou “menos difícil”), menos frustrante e mais divertido do que o original. No fim das contas, a versão do ZX Spectrum era um grande jogo para os padrões da plataforma. A popular revista britânica Your Sinclair, que era especializada no Spectrum, deu nota 90 para o game. Veja o que o pessoal da revista falou sobre a comparação com o jogo do NES (edição nº 61, de janeiro de 1991):

Então, qual é o veredito? Bem, para mim, Turtles tem sido uma surpresa muito agradável. Rumores circularam pela indústria por muito tempo, dando conta de que o jogo era realmente ruim – aparentemente, as versões do Nintendo americano e do Amiga são absolutamente terríveis ou coisa que o valha, e este jogo é baseado naquelas versões – mas não: a Probe modificou bastante a coisa, e o produto final do Spectrum possui apenas uma pequena semelhança com aqueles títulos. De fato, é realmente muito legal. Não espere o jogo mais aprofundado de todos os tempos – mas, para o que pretende ser, é mais ou menos perfeito. Eu achei uma diversão excelente.

A revista britânica Crash (que era a principal referência da época quando o assunto eram jogos do ZX Spectrum) resenhou TMHT em sua edição nº 84, de janeiro de 1991, e deu nota 80 para o jogo. Veja o que o pessoal da revista escreveu:

O jogo pode ser muito frustrante. Você leva muito dano e acaba sendo morto de novo nos mesmos lugares até arrancar os cabelos. Mesmo assim, depois de se acalmar, você definitivamente voltará para mais uma dose porque a jogabilidade é tãããão viciante. Teenage Mutant Hero Turtles é a melhor diversão que eu tive em muito tempo. No entanto, depois de apenas alguns dias eu completei o jogo, então algumas missões a mais não teriam sido uma má ideia. De qualquer forma, Turtles ainda assim é altamente recomendado“.

A esta altura, você deve estar estranhando o fato de eu estar falando tanto sobre a versão de TMHT do ZX Spectrum, já que o título deste review sugere que o objeto da nossa análise seria também o TMHT do microcomputador MSX. A explicação é muito simples: a versão de TMHT do MSX é essencialmente uma conversão direta do ZX Spectrum, idêntica de ponta a ponta e essencialmente indistinguível do jogo do clássico micro britânico.

Ok, ok, admito: eu posso ter exagerado. De fato, há uma “pequena” diferença da versão MSX em relação ao TMNT do Spectrum. Como ocorria com 99% das conversões de games de Spectrum para MSX, a versão deste último é mais lenta do que a do Spectrum. Bem mais lenta seria o termo correto. Enquanto o jogo do Spectrum é rápido e ágil, a ação no MSX parece se desenrolar na metade da velocidade. Não é nada terrível ao ponto de inviabilizar a diversão e não incomoda tanto depois que você joga um pouco e se acostuma com a animação mais lenta. Mas, se você vê vídeos das duas versões rodando ao mesmo tempo, dá pra levar um susto com a diferença de velocidade. O irônico disso tudo é que, tecnicamente, o MSX (mesmo em seu modelo 1.0, mais básico) era sensivelmente superior em termos de hardware em relação ao ZX Spectrum. No entanto, por falta de otimização, as conversões diretas geralmente falhavam em utilizar adequadamente todo o potencial do MSX e o resultado eram jogos idênticos em visual e sons, mas sem a mesma animação rápida (vide exemplos de Robocop, Indiana Jones and the Last Crusade, etc).

Em termos de experiências pessoais, embora eu tenha jogado vários games de ZX Spectrum entre o fim dos anos 1980 e começo dos 1990 (meu tio, na época, comprou um TK-95 da Microdigital, um dos clones brasileiros do micro britânico), infelizmente não cheguei a ter contato com o TMHT do Spectrum. Só fui conhecer o jogo, já na versão MSX, em algum ponto entre o final de 1992 e o começo de 1993. Nessa época, depois de cinco anos tendo um Atari, ganhei um micro Expert da Gradiente (compatível com o padrão MSX) e é claro que eu estava louco para botar as mãos em qualquer coisa que tivesse algo a ver com as Tartarugas Ninja!

Na época, eu gostei muito do jogo. Claro, não era tão fantástico e frenético como o maravilhoso TMNT II – The Arcade Game do NES (que, em termos de Tartarugas Ninja, era basicamente o meu “sonho de consumo” na época). Ainda assim, era um game interessante. Os gráficos eram bacanas, tinha o Destruidor, tinha a April, tinha o Splinter, tinha o Bebop (embora irreconhecível, ilustrado por um sprite horroroso e disforme), tinha as Turtles nadando numa represa para desativar bombas submersas, tinha o “furgão” das tartarugas e por aí vai. Vale lembrar que o jogo (apesar de lançado no mesmo ano do primeiro filme das tartarugas) é uma adaptação do jogo lançado para o NES no ano anterior – sendo, portanto, baseado no desenho animado das Turtles e não no filme.

Uma vantagem que posso atestar sobre esta versão MSX/Spectrum, em relação ao TMNT do NES, é que o jogo era muito menos difícil e muito menos frustrante/irritante. No início, o jogo parecia bem inclemente. Mas, com um pouco de treino, era possível dominar a jogabilidade e chegar ao fim do game de forma razoavelmente tranquila. Uma coisa que me ajudou muito, na época, foi o mapa completo do jogo, publicado na edição nº 23 da saudosa revista nacional CPU MSX.

Numa matéria de quatro páginas, a revista apresentava um detonado completo, passo a passo, do jogo. Eu tinha essa revista na época e esse “detonado” foi o meu roteiro para entender melhor o game e chegar até o final. Depois que “virei” o jogo pela primeira vez, posteriormente repeti a proeza várias vezes. Embora com menos conteúdo do que o TMNT do NES, o TMHT do MSX/Spectrum era realmente menos inclemente, irritante e frustrante – e, justamente por isso, mais viciante e divertido.

Uma curiosidade: você deve ter notado que, na versão MSX/Spectrum, o título Teenage Mutant NINJA Turtles mudou, sem maiores explicações, para Teenage Mutant HERO Turtles. O que foi isso? Alguém cometeu algum erro de digitação? A explicação é simples. Isso não aconteceu apenas com esse jogo, mas sim com todos os produtos da franquia lançados nos mercados europeus naquela época. A maior parte das legislações europeias, visando proteger as crianças de produtos de entretenimento carregados de violência excessiva, proibia o uso de expressões como “ninja” (ou qualquer coisa que tivesse relação com violência ou assassinato) em brinquedos em geral. As mesmas restrições não existiam no mercado americano. É por isso que, nos EUA, o nome da franquia ostentava o título NINJA enquanto que, na Europa, as tartarugas (pelo menos no título) passaram a exibir HEROES no nome. Como as conversões do game para microcomputadores eram essencialmente voltadas para o público europeu, acabou prevalecendo a nomenclatura europeia no título. No entanto, o mesmo não aconteceu com a versão para o micro Commodore 64 (cujo maior mercado era os EUA). No C64, o nome do jogo permaneceu igual ao do NES: Teenage Mutant NINJA Turtles.

Ainda a título de curiosidade, na Espanha (que era um dos maiores mercados do MSX na Europa) o game foi lançado como TORTUGAS NINJA. O lançamento espanhol (oficial, diga-se de passagem) chama a atenção menos pela opção exótica de traduzir o nome do jogo e mais pelo fato de que a “censura” em torno da expressão “ninja” foi sumariamente ignorada (ainda que o software em si continuasse se apresentando como Teenage Mutant HERO Turtles). O jogo nesta versão vinha acompanhado de um manual muito legal, que incluía também os códigos antipirataria necessários para entrar no jogo. O manual encontra-se preservado em versão digital no Internet Archive, e você pode acessá-lo na íntegra no seguinte endereço: https://archive.org/details/TortugasNinjaES/mode/2up

Parece difícil de acreditar, mas lá se vão 30 anos desde o lançamento do filme original das Tartarugas Ninja (que, para mim, continua sendo o filme definitivo dos personagens). Também já se vão quase 30 anos do meu primeiro contato com o game do MSX, que me proporcionou muitas horas de diversão e que tem um lugar especial nas minhas memórias até hoje. Surrar o Destruidor e comer muita pizza são coisas que jamais deixarão de ser divertidas. Cowabunga!

MOLEY CHRISTMAS (1987, ZX Spectrum)

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Monty Mole era um conhecido personagem de jogos de computador dos anos 80. Entre 1984 e 1990, ele protagonizou seis games, todos produzidos pela Gremlin Graphics.

Eu conheci o personagem entre 1992 e 1993, quando joguei pela primeira vez no meu micro MSX o jogo Auf Wiedersehen Monty, lançado em 1987. Até hoje, é o meu game favorito do Monty. Nele, a incansável toupeira viaja por toda a Europa coletando dinheiro para realizar o seu sonho de comprar uma ilha na Grécia e se aposentar nela.

Mas o assunto de hoje não é o Auf Wiedersehen Monty, e sim o jogo do Monty que saiu em dezembro do mesmo ano e que certamente é um dos games natalinos mais simpáticos de todos os tempos.

Nos anos 1980, era comum em diversos países que as revistas de jogos de computador eventualmente viessem acompanhadas de uma fita cassete (uma das mídias mais populares na época) contendo jogos  e outros brindes que invariavelmente eram recebidos com festa pelo público destas revistas. Lembrem-se: era uma época muito anterior à popularização da internet e ter acesso a software (ainda mais de graça!) era algo que excitava qualquer usuário de computadores domésticos.

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Pois bem, na edição de janeiro de 1988 (que, imagino eu, chegou às bancas a tempo para o Natal de 1987), uma das mais populares revistas britânicas de games de computador, a Your Sinclair, surpreendeu os seus leitores com um presente muito acima da média: uma fita cassete contendo Moley Christmas, um pequeno e completo game natalino inédito da toupeira Monty.

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Produzido com o mesmo visual, jogabilidade e trilha sonora do então recente Auf Wiedersehen Monty, Moley Christmas trazia uma aventura de Natal do pequeno Monty. Na trama, ele precisa ajudar o pessoal da Gremlin Graphics e da Your Sinclair a produzir, gravar, embalar e distribuir a edição da revista acompanhada do seu joguinho.

É isso aí: a toupeira Monty num jogo no qual ele precisa assegurar o lançamento do próprio jogo no qual ele está. Pura meta-narrativa natalina!

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O jogo é bastante simples, mas é muito divertido e tem um feeling especial. Ao contrário de Auf Wiedersehen Monty (um game enorme e extenso para a época, com inúmeras telas e locações diferentes), este Moley Christmas tem apenas seis telas. Com um pouco de treino e destreza, é possível chegar ao final dele em questão de minutos.

O jogo começa nos escritórios da desenvolvedora Gremlin Graphics. Lá, Monty precisa coletar o código-fonte impresso do jogo. Nada muito difícil. O maior desafio é o relógio, pois o tempo é cronometrado e limitado.

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A segunda tela é o local de produção do jogo. Monty deposita o código-fonte do jogo e precisa coletar a master tape. A rapidez, aqui, é novamente importante.

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Na terceira dela, Monty está no local de prensagem das fitas cassete. Aqui, ele precisa coletar oito fitas para distribuição.

Essa tela me matou inúmeras vezes até eu entender o que precisava ser feito. É o seguinte: você precisa passar na frente da janelinha branca para ativar a produção e então deve sair imediatamente daquele ponto da tela (tão logo o rolo de fita apareça).

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Tem mais: você não pode conduzir Monty à saída da tela antes de a pilha de fitas acumular oito fitas – e nem depois! Ou seja, você tem que deixar Monty pertinho da saída e levar ele em direção às fitas logo após a passagem na esteira da última fita. Leva algum tempo para pegar o timing correto, mas não é difícil depois que a gente compreende as regras do cenário.

A quarta tela é uma rodovia, à qual Monty precisa sobreviver para levar as fitas até o escritório da revista Your Sinclair. Tudo muito fácil até a parte final (inferior) da tela, na qual há um bizarro automóvel com dentes ameaçadores. Para passar por ele, é necessário caminhar levemente pela frente da criatura até que ela esboce uma intenção de ataque. Depois que o bicho se manifestar, basta saltar sobre ele.

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A quinta tela se passa no escritório da revista. Aqui, Monty precisa pegar as cópias da nova edição da Your Sinclair para distribuição.

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A sexta e última tela mostra Monty levando as cópias da revista para uma banca de jornaleiro, a fim de disponibilizar as publicações para venda. Aqui, a jogabilidade se converte em algo semelhante ao clássico Frogger, com a heroica toupeira desviando de diversos veículos.

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Como dá pra ver, o jogo é bem curtinho. Porém, é irresistível para os fãs dos clássicos games do bom e velho micrinho britânico ZX Spectrum e representava um adorável presente de Natal para os leitores da revista. Ao mesmo tempo em que é relativamente fácil e muito curto, a jogabilidade é viciante e o charme retrô do game é irresistível. Eu simplesmente não consegui parar de jogar até dominar todas as telas e chegar ao final. Para quem é fã do Spectrum, esse jogo não poderia ser mais recomendável – ainda mais no período natalino!

O melhor de tudo é que você nem precisa se preocupar em baixar uma cópia do jogo, nem em configurar um bom emulador de Spectrum para experimentá-lo nos computadores modernos. No link abaixo, você pode jogar Moley Christmas direto no seu browser, por meio de um emulador online já configurado. Claro que, ainda assim, você terá que se virar com os controles originais do jogo (teclas Z e X para esquerda e direito, barra de espaços para pular e O e L para cima e baixo). É um esquema de teclas chatinho e ultrapassado para os padrões atuais, mas nada que não se consiga dominar tranquilamente depois de algumas tentativas.

Monty Mole e o Cemetery Games desejam a todos um FELIZ NATAL! 😀

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THE HOBBIT (1982, ZX Spectrum)

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E neste mês de dezembro de 2012 finalmente chegou aos cinemas o aguardado The Hobbit – An Unexpected Journey, de Peter Jackson. Trata-se da primeira parte de uma nova trilogia do aclamado diretor da saga O Senhor dos Anéis, dessa vez adaptando para as telonas o livro The Hobbit, lançado em 1937 por Tolkien e hoje considerado um prelúdio para O Senhor dos Anéis.

É razoável supor que toda essa “hobbitmania” atual se estenderá pelos próximos dois anos e que dará origem a uma tonelada de games baseados no filme, dando o ar da graça em tudo o que é aparelho imaginável – consoles domésticos, videogames portáteis, celulares com Android, iOs, etc. Não vai ser a primeira vez que isso acontece: em 2003 ,a Vivendi Universal lançou o esquecível The Hobbit, um game baseado no livro, para Playstation 2, Game Cube, Xbox, Windows e Game Boy Advance.

No entanto, o livro de Tolkien já marcou época na história dos games – e já faz muito tempo que isso aconteceu, na verdade. Foi há trinta anos atrás, no já distante ano de 1982. Pelas mãos da desenvolvedora Beam Software e da publisher Melbourne House, o clássico livro de Tolkien deu origem a um game que marcou época, vendeu como água no deserto, exerceu enorme influência no desenvolvimento de jogos a partir dali e, até hoje, é cultuado por retrogamers do mundo inteiro. O nome do jogo, é claro, era The Hobbit, lançado originalmente para o microcomputador britânico ZX Spectrum e depois adaptado para os micros Commodore 64, Amstrad CPC, BBC Micro, Dragon 32, Oric Atmos, Apple II, TRS-80 PC e MSX.

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The Hobbit era um adventure-texto, um gênero de game muito popular no começo dos anos 80. Se você não é familiarizado com a história desse estilo de jogo, clique aqui para ler a nossa matéria especial sobre adventures texto.

Os text adventures, naquela época, eram ótimos para soltar a imaginação e permitiam uma grande amplitude criativa. Representavam uma forma de o jogador usar mais o cérebro do que os dedos e se dedicar a games que demandavam mais raciocínio e estratégia do que reflexos rápidos, fugindo da tradicional ação arcade do tipo “atire sem parar nos alienígenas” e que inundava o mercado de games da época.

Mas, por mais que se aprecie adventures, é preciso reconhecer que os jogos daqueles tempos pecavam por dois defeitos graves: primeiro, o parser (sistema de análise sintática e reconhecimento de palavras) desses antigos jogos era muito limitado, aceitando apenas comandos rápidos e restritos, sem permitir muita abertura para o jogador expressar as ações que queria realizar. Segundo: o uso exclusivo de texto na tela, sem suporte gráfico algum, acabava se convertendo num fator de monotonia e limitação técnica, fazendo os text adventures parecerem extremamente monótonos e desinteressantes.

Mas então, The Hobbit chegou em 1982 ao ZX Spectrum, para virar tudo isso do avesso!

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Segundo a programadora Veronika Megler, que desenvolveu o game junto com Philip Mitchell, “Nós jogávamos Scramble e Pac-Man e escrevemos versões destes jogos para outras plataformas. Por isso, tendo criado games baseados em gráficos e jogado as versões originais deles nos arcades, para nós parecia simplesmente errado o fato de que os adventures não tinham gráficos. Nós não víamos eles como uma categoria diferente, então a decisão de incluir gráficos em The Hobbit pareceu natural e razoável“. Já existiam outros adventures com gráficos lançados anteriormente (como Mistery House, de 1980), mas provavelmente nenhum até então tinha um trabalho visual tão interessante e tecnicamente impressionante quanto The Hobbit.

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Como você pode perceber, The Hobbit também chama a atenção por ter sido parcialmente criado por uma mulher, e isso lá nos idos de 1982, quando o nicho de programação era praticamente um mundo exclusivamente habitado por homens. Na época, ela estudava na Universidade de Melbourne e trabalhava como operadora de computadores em períodos noturnos. Uma troca de mensagens com Alfred Milgrom, da Melbourne House, fez ela entrar no projeto de desenvolvimento de The Hobbit e garantir o seu lugar na história dos games de computador.

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Veronika era uma fã de Colossal Cave, o mítico adventure-texto original que criou esse estilo de jogo. Mas tinha perfeita consciência das limitações do pioneiro game: “Colossal Cave rapidamente se tornava chato. Uma vez que você solucionava o jogo, ele era sempre o mesmo e não havia mais nada de interessante desse ponto em diante“. Ela adotou um conceito diferente ao conceber The Hobbit, motivada a criar o que seria o melhor adventure já feito até então. “Eu coloquei no papel todo o conceito de ter uma rede ou um banco de dados alternável de locações e personagens que jogavam por conta própria, e como isso tudo iria funcionar. Eu desenvolvi o projeto de forma que, ao invés de criar um código prévio para tudo, nós poderíamos substituir o banco de dados dos personagens e dos cenários e terminar com um game diferente nas mãos”, explica. “Era uma questão de adicionar o elemento randômico. Eu tinha a ideia básica de que cada animal seria um personagem e que cada personagem faria algo a cada turno, assim como o jogador tinha. Nós adicionamos um gerador randômico para que, toda vez que o game começasse, cada personagem iniciaria num lugar diferente escolhido aleatoriamente“.

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Além dos gráficos e do sistema não linear, The Hobbit inovava também pelo parsec inovador, denominado Inglish por seus programadores. Ao contrário de games anteriores do estilo, que só admitiam frases sempre iguais e curtas como “kill orc“, “get lamp” e coisas do tipo, em The Hobbit o jogador podia digitar comandos sofisticados como “ask Gandalf about the curious map then take sword and kill troll with it“. Ou seja, uma linha de comando do jogador podia conter várias ações e também pronomes e adjetivos.

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Em termos de narrativa, The Hobbit se mantém bastante fiel ao livro que lhe serviu de inspiração. “Não lembro de isso ter sido particularmente difícil“, explica Veronika. “Eu era muito familiarizada com o livro e adorava ele, e realmente passei por todo o livro pegando elementos de forma tão direta quanto possível, fazendo pequenas modificações que tornassem mais fácil para o jogador imaginar as passagens do texto dentro do contexto do game. Todos nós conhecíamos The Hobbit e The Lord of the Rings – eu havia lido a série inteira várias vezes já naquela época. Para elaborar o jogo, eu examinei o livro, escolhendo partes e locações chave que eu pudesse transformar em puzzles e interações entre os personagens e o jogador“.

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The Hobbit se destacou como um adventure mais graficamente bonito, menos linear, mais flexível no vocabulário e com maior fator de “re-play” do que os jogos do gênero anteriores a ele. Mas isso não significa que ele era livre de problemas. “Fazer a correção de erros no jogo era um pesadelo”, lembra Veronika. “Nossas máquinas de desenvolvimento travavam como resultado de interações e comportamentos de personagens em alguma outra parte do jogo. Você não fazia ideia – simplesmente tinha um erro nas mãos e tinha que imaginar o que tinha acontecido“. A maneira como os personagens se comportavam dava origem, também, a cenários problemáticos: “Você podia terminar numa situação em que o jogo não podia ser completado de forma bem-sucedida. Na medida em que animais e personagens interagiam por conta própria, eles estavam também jogando, e no geral eles não distinguiam o jogador de outros personagens. Era possível que um personagem fosse parar num local com um agressor e que acabasse sendo morto, e se esse personagem fosse necessário para o jogador realizar certas tarefas, você não teria mais como chegar ao final do jogo. Você pode levar várias horas de jogo para descobrir isso“, ri Veronika. “Mas era assim que a coisa funcionava. Eu não fiz nenhuma tentativa de mudar isso, pois eu achava que era algo legal“. Sádica a moça, não?

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Toda a qualidade e a inovação de The Hobbit não passaram desapercebidas. O jogo vendeu mais de 100.000 cópias nos seus dois primeiros anos no mercado, ganhou vários prêmios e se tornou presença garantida e permanente em qualquer lista decente de melhores games lançados para o ZX Spectrum em todos os tempos. É frequentemente lembrado como um dos melhores adventures dos anos 80, e é difícil imaginar a evolução do estilo (que anos depois passou pelo sistema Scumm da Lucas Arts, surgido com o famoso Maniac Mansion) sem o marco estabelecido por The Hobbit.

Veronika não recebeu praticamente nenhum feedback sobre o seu trabalho na época em que The Hobbit foi lançado. Hoje, no entanto, ela afirma receber uma contínua corrente de e-mails sobre o jogo, alguns até bizarros: “Um cara recentemente fez contato comigo, e foi muito engraçado. Ele disse que, há 30 anos atrás, ele estava jogando uma cópia do jogo que pertencia a um amigo. Então, no meio do jogo, ele abriu o drive e retirou o disquete enquanto o jogo rodava. O disco acabou corrompido e, quando o amigo dele tentava jogar, a tela exibia uma mensagem de erro e o jogo nunca mais funcionou. Foi apenas recentemente que o sujeito admitiu que havia estragado a cópia do jogo do amigo, e ele estava me contatando para saber se aquela mensagem de erro tinha algum significado em particular ou se nós colocamos ela lá por algum motivo específico. Eu tive que rir. Trinta anos depois, alguém estava me escrevendo para solicitar suporte técnico!”.

De fato, Veronika só chegou a compreender a importância do seu trabalho muitos anos depois, já na era da internet. “Eu comecei a receber cartas de pessoas que tinham me localizado online, me dizendo que o game havia mudado suas vidas e os tornado fãs de adventures, ou que eles tinham aprendido inglês para jogá-lo, ou como o jogo mudou seus interesses, suas personalidades e até seus planos para o futuro! Foi só então que eu descobri que The Hobbit havia sido lançado num monte de línguas diferentes e em diversos países. Na época do lançamento do jogo, eu não tive nenhum sentimento de valor ou de reconhecimento pelo que nós criamos – mas, décadas depois, eu comecei a perceber o impacto que isso teve. Eu acho que o impacto que o meu jogo teve sobre as vidas de outras pessoas foi muito maior do que o impacto que teve sobre a minha própria vida“, diz ela.

(Fonte consultada: revista Retro Gamer, edição nº 101).